quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Por que o diabo não existe

(publicado no jornal espírita O Clarim de novembro de 2017)

                  A Doutrina Espírita apresenta a realidade do mundo de tal forma, que a existência do diabo perde a razão de ser. No Espiritismo, a perfeição e a soberania de Deus não abrem espaço para a possibilidade do diabo existir.
                Então nos perguntamos, se o diabo não existe, qual a origem do mal? Enquanto para muitos, satanás serviria para explicar esta origem (1), no Espiritismo, a procedência do mal nos leva aos próprios seres humanos, encarnados e desencarnados ainda em aprendizado, numa longa trajetória evolutiva, e não a um ser maligno não pertencente a humanidade (2).
                Toda revolta contra o Criador, toda crueldade, toda indiferença, toda inveja, toda fraqueza moral, toda ignorância são apenas características da fase da evolução intelecto moral que o espírito esteja passando e não significam a ausência, ou a extinção da potencialidade para o bem, que Deus colocou em cada um de seus filhos. Desta maneira, não há nenhum ser voltado perpetuamente para o mal, porque o amor sempre vence, cedo ou mais tarde, em todo lugar e em todo o coração. Assim, é irresistível a “necessidade que o Espírito sente de sair da inferioridade e de se tornar feliz” (3).
                  Desta forma, o ódio ou qualquer imperfeição, não muda a essência do ser, que é entre outras coisas, a de ter a capacidade de amar ou de evoluir. É justo pensar que, se fomos criados por Deus e se este Deus é a maior fonte de amor que existe, então todos os seres, sem exceção, estão impregnados, de uma forma ou outra, por esta força primordial. Então, um ser totalmente maligno, sem a predisposição para amar, não pode ter sido criado por Deus e nem ter adquirido esta natureza posteriormente a sua criação.  Nós devemos entender que a inclinação para amar não é escolha do ser, mas faz parte dele, mesmo que ele não queira. Assim, o ódio absoluto não existe.
                   Mesmo que queiramos apenas odiar. Nós nos flagramos, gostando de algo: de um animal, de uma planta, de uma música, de alguém. É como aquele mato que insiste em nascer na fenda da calçada. Você até pode concretar tudo, pelos maus pensamentos, pelo rancor, pelos ressentimentos, pela vingança. Mas um dia, pelas sucessivas experiências reencarnatórias, esta calçada, tão rígida e inflexível de início, começa a criar buracos, fendas, rachaduras e quando menos se espera, uma pequena vegetação brota outra vez. É assim em nossa alma, é assim para todos os seres criados pelo Pai. Não dá para esconder o amor por muito tempo.  Podemos até reprimi-lo, abafá-lo, mas mesmo assim ele jamais morrerá. É por isto que não há espírito que nunca se arrependa (4) pois ninguém é totalmente mau e maligno, que não tenha o potencial do bem esperando seu despertar.
                Logo, crer na existência do diabo é crer numa exceção a lei de Deus, é crer que um ser conseguiu burlar a Lei do Progresso (5), o que é impossível (6).                                
                  Nós observamos que a Doutrina Espírita dá uma nova configuração a realidade, liberta o homem das correntes que lhe faziam prisioneiro de uma certa maneira de pensar e compreender o mundo. Abre as janelas para que a visão se estenda para mais longe. Permite que a luz da verdade ilumine lugares antes obscuros, cobertos que estavam pela ignorância, pelos dogmas (7), pela fé cega e pelo medo do desconhecido.
                    Quando deixamos de acreditar na existência do diabo mais crentes em Deus estaremos. Pois não há o diabo, só existe Deus e nosso destino de se aproximarmos Dele cada vez mais. O mal que existe, é transitório, brota de nossas imperfeições (8) e nunca terá o poder de nos fazer separar de maneira definitiva do Deus criador, que nos espera como o pai, que amando seu filho, o vê dar seus primeiros passos...

(1)  por ignorar a existência de uma multidão de espíritos em vários estágios de desenvolvimento que habitam a vida após a morte, para muitos, só resta a crença no diabo para explicar a origem do mal na face da Terra e para dar causa aos fenômenos mediúnicos.
(2) Deus não criou seres a parte, desta forma: “Todos os Espíritos têm a mesma origem e o mesmo destino; as diferenças que os separam não constituem espécies distintas, mas exprimem diversos graus de adiantamento”. Ler o livro O que é o Espiritismo capítulo I em Diversidade dos Espíritos.
(3) Questão 1006 do Livro dos Espíritos onde nós lemos a resposta do espírito São Luís.
(4) ler a questão 1007 do Livro dos Espíritos cuja resposta é: “Há os de arrependimento muito tardio; porém, pretender-se que nunca se melhorarão fora negar a lei do progresso e dizer que a criança não pode tornar-se homem. ”
(5) Capítulo VIII do Livro dos Espíritos.
(6) os espíritos encarnados ou desencarnados ainda inferiores apenas tem o poder de embaraçar a marcha do progresso, mas nunca de detê-lo. Ler questão 781 do Livro dos Espíritos.
(7) Apesar da Doutrina Espírita não aceitar a existência do diabo, ela respeita todo aquele que acredita, Kardec escreve no livro O que é o Espiritismo, em Pequena conferência espírita: “Crede, pois, em tudo que vos aprouver, mesmo na existência do diabo, se tal crença vos puder tornar bom, humano e caridoso para com os vossos semelhantes”
(8) quando se chega no estágio máximo da evolução que é dada por Deus ao espírito alcançar, as imperfeições não existem mais. Estes espíritos são conhecidos como espíritos puros, ou seja, evoluíram moralmente, mas também intelectualmente. “Eles são os mensageiros e os ministros de Deus, cujas ordens executam para manutenção da harmonia universal” (ver questão 113 do Livro dos Espíritos)


Bibliografia

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 67. ed. São Paulo: Ed.  Lake, 2007.
KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Araras: Ed. Instituto de Difusão Espírita.



Fausto Fabiano da Silva

terça-feira, 19 de setembro de 2017

O rito de passagem

(publicado na RIE de setembro de 2017)


                  Existem muitos rituais de passagem. Alguns deles expressam um compromisso que a pessoa assume com o grupo, com um ideal, ou mesmo com a divindade. Um exemplo deste último caso é o “aceitar Jesus como suficiente salvador” das igrejas evangélicas. Ora, a pessoa que aceita verdadeiramente (1) Jesus, deixa, segundo a Teologia, de ser apenas criatura e se torna filho de Deus. A partir daquele dia seu nome estará escrito no Livro da Vida. É de fato um rito de passagem por excelência.  Porém, esta nova condição lhe acarreta certa exigência: a transformação moral.  
                   Contudo, este aceitar Jesus, geralmente em cultos altamente emocionais, com hinos e pregações envolventes, não geram a transformação moral esperada de maneira repentina e algumas vezes nem mesmo a longo prazo. É por isto que existe a ideia bastante difundida que é preciso se alimentar da Palavra, não deixando de frequentar a igreja, para que o “fogo” não se apague. Entretanto, a frequência assídua aos cultos não é garantia total de transformação, pois existem pessoas que aceitaram a Cristo, se batizaram e se desviaram ou mesmo abandonaram a igreja, não conseguindo largar suas velhas práticas do mundo.  Revela-se então os limites do testemunho público, do ritual de passagem ou de qualquer cerimônia onde a pessoa prometa direta ou indiretamente viver com mais santificação ou purificação.
                   Outra limitação dos rituais de passagem é expressada pela incapacidade de resolverem certos problemas ou aflição pelo qual passamos. Algumas pessoas simplesmente não compreendem porque, após realizarem todas as obrigações de culto ainda passam por angústias. Por exemplo: aceitam Jesus, se batizam, pagam o dízimo com fidelidade, vão a todos os cultos, fazem campanhas de oração por isto ou aquilo, jejuam, pregam, trabalham na igreja como obreiros e mesmo assim não se livram de situações delicadas ou problemáticas (2).
                     Nós espíritas, sabemos que muitas dificuldades são oriundas de outras reencarnações, sem compreendermos isto, fica difícil aceitarmos a justiça divina, por exemplo:  por que será que aquela pessoa sendo crente há muitos anos, ainda não conseguiu ver sua vitória chegar? E por que será que o fulano que aceitou Jesus a semana passada tudo lhe parece sorrir?
                   A limitação do rito de passagem é visualizada também, quando ele é utilizado como moeda de troca para uma vida de prosperidade, principalmente material.  Uma vez por exemplo, me disseram para abandonar a Doutrina Espírita e aceitar outra fé. Deus então abriria as portas do céu, emperradas por eu ser espírita, e inclusive a minha vida financeira iria mudar. Questionei então o porquê de centenas de pessoas que moram em favelas e comungarem a tal fé, continuarem pobres, doentes e cheias de problemas. Será que Deus se esqueceu delas?
                    É bem difícil aceitar, para o religioso em geral, que Deus se manifeste fora do círculo de sua crença pessoal, por isto, os rituais de passagem são exigidos para que Deus possa agir com mais liberdade na vida do fiel, ficando de fora os outros, considerados muitas vezes como ímpios ou até infiéis. No entanto, para a Doutrina Espírita, os espíritos bons, vão estar sempre perto de qualquer pessoa que deseje o bem ou que trabalhe para o progresso da humanidade: ateu, judeu, muçulmano, católico, evangélico, espírita, homossexual, negro, asiático, mulher, homem, pobre, rico ou qualquer outro.
                    As limitações do ritual de passagem visto até aqui, porém, não o transforma necessariamente em uma coisa errada, hipócrita ou mesmo sem valor. Existem pessoas que precisam mesmo da existência de tais rituais ou cerimônias. É por isto que a Doutrina Espírita não condena nenhum ritual que seja inofensivo e expresse o bem principalmente se a pessoa sente necessidade psicológica ou emocional de fazê-lo. O Espiritismo apenas esclarece que para Deus, o mais importante é o que está no coração.
                   Podemos afirmar inclusive que para algumas pessoas, a falta de rituais na Doutrina Espírita ou no movimento espírita, principalmente os de passagem, seja um dos motivos para certos indivíduos não se adaptarem à Doutrina Espírita, pois no movimento espírita, não há nenhum juramento ou culto especial para se tornarmos espíritas, não há roupas especiais, nem anéis que nos identifique como espíritas. 
                    Esta falta de rituais tem um ponto positivo:  é o começo de uma preparação para a libertação futura de qualquer necessidade de coisas exteriores, sendo cerimônias, rituais, liturgias ou qualquer coisa material ou simbólica para adorar a Deus ou para expressarmos nossa espiritualidade.
                    Entretanto, alguns espíritas podem não estar preparados para esta liberdade. Digo liberdade, porque se não há um cerimonial público de compromisso do espírita, se não há nenhum anel ou aliança nos dedos nos lembrando do Espiritismo, às vezes, a tão conhecida reforma íntima, que equivale moralmente ao aceitar Jesus dos evangélicos, pode ser postergada indefinidamente na presente reencarnação, sem que aparentemente ninguém saiba disto. 
                    Devemos nos perguntar porque a reforma íntima dos espíritas, tão comentada, não aconteça sempre. É simples. Por ela ser íntima, tão íntima que acaba sendo esquecida pela própria pessoa que deveria fazê-la. Notamos que no Espiritismo é grande a sensação de liberdade, porque não há espíritos se materializando na nossa frente nos cobrando isto ou aquilo, uma vez que nosso livre arbítrio é muito respeitado. Não há nenhum rito para iniciarmos nossa reforma moral, por outro lado também, há pouca expectativa pública em relação a nossa retidão moral.  Quando se tornamos espíritas, as pessoas no geral, apenas saberão que vamos acreditar em espíritos e na reencarnação.
                   Mas é compreensível perceber que a relação entre ser espírita e retidão moral nem sempre seja óbvia, afinal, a Doutrina Espírita é entendida, por parte da população, como coisa do diabo, relacionada a “médiuns videntes”, feitiçarias e práticas ocultistas.  No entanto, causa profunda tristeza que a relação entre ser espírita e retidão moral não seja evidente nem urgente, algumas vezes, nem pelos próprios espíritas.
                  Muitos espíritas não sabem exatamente a real dimensão da sua missão (3) na Terra. Nem se deram conta do compromisso ou a aliança que deveriam ter com Jesus.  Sabem que a Doutrina Espírita tem Jesus, seu nome por exemplo, é citado várias vezes em toda as chamadas Obras Básicas. No entanto, não basta Jesus estar na Doutrina é necessário que ele esteja em nós.  As freiras costumam usar uma aliança nos dedos para lembrá-las do voto que fizeram, os crentes usam a confissão pública para renascerem de novo, selando o compromisso para serem um novo indivíduo. E o espírita? Qual nosso posicionamento diante de Cristo? Qual nosso posicionamento diante da nossa missão? Temos que nos perguntar: qual aliança que temos com Jesus? Muitos poderão dizer que não temos aliança alguma com o mestre, porque nosso compromisso é moral, mas que moral é esta? Todos os espíritas sabem que devem amar o próximo mais que amor ao próximo é este? Por acaso os espiritas seguem alguma moral genérica? Ora, os Espíritos da Codificação, não ficaram em cima do muro, eles deram os nomes aos bois para que o espiritismo não se perdesse no mar do relativismo moral dos homens.  O amor ao próximo dos espíritas é o amor defendido por Jesus com toda a sua dimensão e implicações. O vínculo com jesus é claro e nosso compromisso com ele também teria que ser.
                    Sabemos que Jesus é o guia da humanidade e que gerencia (4) o processo de regeneração do planeta Terra. No entanto, esta humanidade está sempre fora de nós, é nosso vizinho, são as ruas, os outros países. O chamado de Jesus, porém, também é para quem escreve este texto e para você que está lendo.
                   O fato de nós não termos rituais de passagem, não quer dizer que nosso compromisso com a Doutrina Espírita não exista, o fato de não usarmos uma aliança indicando nossa intenção de melhorarmos moralmente não quer dizer que esta transformação não será cobrada um dia. Desta maneira, devemos perceber que nosso compromisso com Cristo, como obreiros do Senhor e trabalhadores da última hora é real, embora isto não esteja materializado em coisa alguma.
                  
(1)   Pensando nas coisas do céu e não com segundas e terceiras intenções comumente financeiras.
(2)   A homossexualidade persistente em jovens que nasceram e cresceram dentro das igrejas evangélicas é um exemplo onde nenhum ritual de passagem, oração ou jejum tiveram a capacidade de reverter.
(3)   Ler capítulo XX, “Os trabalhadores da última hora”, do Evangelho Segundo o Espiritismo.
(4)   No Evangelho Segundo Espiritismo capítulo primeiro em O Espiritismo, encontramos a frase que diz respeito a Doutrina Espírita e ao mesmo tempo revela que Jesus preside a regeneração da Terra: “Ele é pois, obra do Cristo, que preside, conforme igualmente o anunciou, à regeneração que se opera e prepara o Reino de Deus na Terra”.


Fausto Fabiano da Silva

Bibliografia

KARDEC, Allan. Evangelho Segundo o Espiritismo. 85. ed. Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1982.




sábado, 3 de junho de 2017

O mundo de Regeneração

O mundo de regeneração
Fausto Fabiano da Silva
faustofabianodasilva@yahoo.com.br

                                                                             (publicado na RIE de junho de 2017)

                    O mundo de regeneração é o período histórico que virá, pela Lei do Progresso[1], suceder o chamado mundo de provas e expiações, tempo que ainda vivemos. Nascendo nos escombros do mundo atual, se desvencilhará aos poucos de uma velha ordem e brilhará, lentamente e irremediavelmente, como a luz do sol nos primeiros clarões da aurora. Sem transformações miraculosas, a transição se dará até onde sabemos de forma gradual[2] como a idade madura sucede aos anos da adolescência: “Essa fase, que neste momento se elabora, é o complemento indispensável do estado precedente, como a idade viril o é da juventude.”[3]
                     Muitos serão os espíritos que, não sendo mais merecedores de viver aqui, serão retirados da Terra mesmo contra a vontade[4], para recomeçar novos ciclos reencarnatórios em outros mundos[5]: “Irão para mundos novos, menos adiantados, desempenhar missões penosas, trabalhando pelo seu próprio adiantamento, ao mesmo tempo em que trabalharão pelo de seus irmãos ainda mais atrasados.”[6]
                    Os espíritos banidos da Terra serão de dois tipos: os “que praticam o mal pelo mal”[7] e os que “tentem deter a marcha das coisas”[6]. A primeira informação sobre a natureza moral dos excluídos é útil para não criarmos falsas expectativas de um mundo maravilhoso logo no começo do período de regeneração. Pois que se retirarmos todos os que se comprazem no mal, as almas realmente cruéis, revoltadas e ainda avessas a qualquer transformação, restarão muitas pessoas que se não são perversas, boas também não são. Serão aqueles que “passaram raspando” ou quase foram embora do convívio terreno. Entretanto, com o coração não tão duro e inflexível como dos espíritos maus, serão contaminados aos poucos pelo exemplo dos bons espíritos e acabarão por modificar-se após novas reencarnações na Terra. Só então, passados necessariamente os primeiros séculos, cumprir-se-á uma frase sobre o mundo de regeneração encontrada em O Evangelho Segundo o Espiritismo: “Em todas as frontes, vê-se escrita a palavra amor; perfeita equidade preside às relações sociais, todos reconhecem Deus e tentam caminhar para Ele, cumprindo-lhe as leis.”[8] 
                     É um erro, portanto, pensar que logo no começo do Mundo de Regeneração a Terra tenha que ser uma espécie de paraíso. Somente após os primeiros séculos desta nova era que se notarão diferenças significativas em relação ao passado. É bom lembrar também que, mesmo com o mundo de regeneração inteiramente constituído, o mal ainda existirá. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo encontramos: “Mas, ah! nesses mundos, ainda falível é o homem e o espírito do mal não há perdido completamente o seu império.”[8] Ou seja, um mundo onde reine somente a bondade virá apenas numa época posterior ao mundo de regeneração.
                  A segunda informação sobre a natureza dos espíritos excluídos, que vão “tentar deter a marcha das coisas”, revela algo também significativo, pois remete ao tema mentalidade. O espírito não precisa ser apenas mau para deixar a Terra, mas se a sua mentalidade for profundamente retrógrada, contrária a princípios gerais consagrados como os contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e mais, apelando para a violência, como por exemplo, nos casos de assassinatos de homossexuais por motivos religiosos, então também será um candidato a deixar o nosso meio, amargando novas existências em mundos compatíveis com a sua mentalidade e intolerância.
                   Alguém poderá questionar que este mundo de regeneração é uma utopia, pois a brutal realidade dos fatos – as duas Grandes Guerras do século XX, o terrorismo persistindo na época atual, a fome, o tráfico de drogas, a violência das ruas, a degradação da natureza, entre outras coisas – negariam a melhoria da humanidade. Entretanto, este raciocínio não é verdadeiro. Ao lermos a questão 784 de O Livro dos Espíritos nos deparamos com a seguinte indagação: “Bastante grande é a perversidade do homem. Não parece que, pelo menos do ponto de vista moral, ele, em vez de avançar, caminha aos recuos?”. Resposta: “Enganas-te. Observa bem o conjunto e verás que o homem se adianta, pois que melhor compreende o que é mal, e vai dia a dia reprimindo os abusos. Faz-se mister que o mal chegue ao excesso, para tornar compreensível a necessidade do bem e das reformas.” . Desta resposta tiramos desdobramentos importantes ao nosso estudo. O primeiro deles é que ao nos pedir que observássemos bem o conjunto, os espíritos nos cobram uma visão histórica e espiritual do mundo e não uma noção imediatista, na qual muitas vezes somente o mal é valorizado. Por isto, os espíritos disseram: observa bem o conjunto e verás que o homem se adianta. 
                   Citemos como exemplo a generalização dos direitos da mulher. Não é preciso recuar muito no tempo para concluir que a mulher avançou na conquista de muitos direitos, entre eles de participar da política, de estudar e ter uma profissão, de poder escolher com quem vai casar e de ter a fé que mais lhe convenha. Ora, se ainda hoje, em alguns países, alguns destes direitos lhe são recusados, o que se dirá milênios atrás! É inegável, portanto, que houve um avanço.
                    Devemos saber também que a humanidade encarnada não representa toda a humanidade, que está em boa parte no mundo dos espíritos, o que nos leva a acreditar que a dinâmica evolutiva para o mundo de regeneração seja mais complexa do que imaginamos.
                   Outro desdobramento da questão 784 de O Livro dos Espíritos é que os próprios espíritos nos alertaram que o mal chegaria ao excesso. Nunca os espíritos prometeram um mundo cor-de-rosa neste período de transição. Vejamos outras frases dos espíritos que apontam nesta mesma direção: “No vosso [mundo], precisais do mal para sentirdes o bem; da noite, para admirardes a luz; da doença, para apreciardes a saúde.”[5] “O mundo está abalado em seus fundamentos; reboará o trovão. Sede firmes!”[9]. O trovão significa uma grande tempestade, ventos fortes, céu nublado e não calmaria. Isto quer dizer que nada de diferente está ocorrendo que já não estivesse sido previsto. Deus está no controle.
                    Se os problemas do mundo não têm a capacidade de negar o mundo de regeneração, uma vez que eles não representam nenhuma novidade, e mesmo eram esperados pelos espíritos, ainda resta a alegação que a tão sonhada época da regeneração da humanidade ainda vai demorar muito para começar, porém este raciocínio também não está correto.
                     Existem várias frases retiradas das Obras Básicas da Doutrina Espírita que apontam o mundo de regeneração para perto e não para longe, vejamos três delas: “Predita foi a transformação da Humanidade e vos avizinhais do momento em que se dará...”[6]; “Havendo chegado o tempo, grande emigração se verifica dos que a habitam...”[10]; “Bons espíritas, meus bem-amados, sois todos obreiros da última Hora”[11].
                  Se nós conseguirmos compreender o mundo de regeneração como um processo histórico-espiritual gradual e não como um fenômeno repentino; se estivermos cientes das características morais dos que vão embora; se compreendermos que o escândalo e o mal chegando ao excesso já eram esperados, então, nada impede que o começo do mundo de regeneração esteja realmente mais próximo do que imaginamos. Não é necessário transferir, portanto, a Nova Era para daqui a mil anos, como que para salvar a credibilidade da Doutrina Espírita.
                   Entender o que é o mundo de regeneração, através do estudo atento da Doutrina Espírita, é muito importante para nosso próprio esclarecimento, mas principalmente, para trazer o tema à luz da razão e do bom senso, fazendo a regeneração da humanidade uma realidade possível e real.


1. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Capítulo VIII. 67.ed. São Paulo: Ed. Lake, 2007.
2. No entanto, pela lógica da questão 783 de O Livro dos Espíritos, não há garantia total para não acontecer algo mais radical em algum momento.
3. KARDEC, Allan. A Gênese. Capítulo XVIII – “Sinais dos Tempos”. 1.ed. Rio de Janeiro: Ed. León Denis, 2008.
4. A superioridade moral gera uma autoridade irresistível. Por isto, a expulsão dos espíritos maus é inevitável e está conforme a vontade Divina que ninguém pode se opor. Ler a questão 274 de O Livro dos Espíritos.
5. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo III – “Há muitas moradas na casa do meu Pai”. 85.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982.
6. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questão 1.019. 67.ed. São Paulo: Ed. Lake, 2007.
7. KARDEC, Allan. A Gênese. Capítulo XVIII – “A Geração Nova”. 1.ed. Rio de Janeiro: Ed. León Denis, 2008.
8. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo III – “Mundos Regeneradores”. 85.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982.
9. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo I – “Instruções dos Espíritos”. 85.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982.
10. KARDEC, Allan. A Gênese. Capítulo XVIII – “A Geração Nova”, item 27. 1.ed. Rio de Janeiro: Ed. León Denis, 2008.
11. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo XX – “Os trabalhadores da última hora”. 85.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982.