sábado, 3 de junho de 2017

O mundo de Regeneração

O mundo de regeneração
Fausto Fabiano da Silva
faustofabianodasilva@yahoo.com.br

                                                                             (publicado na RIE de junho de 2017)

                    O mundo de regeneração é o período histórico que virá, pela Lei do Progresso[1], suceder o chamado mundo de provas e expiações, tempo que ainda vivemos. Nascendo nos escombros do mundo atual, se desvencilhará aos poucos de uma velha ordem e brilhará, lentamente e irremediavelmente, como a luz do sol nos primeiros clarões da aurora. Sem transformações miraculosas, a transição se dará até onde sabemos de forma gradual[2] como a idade madura sucede aos anos da adolescência: “Essa fase, que neste momento se elabora, é o complemento indispensável do estado precedente, como a idade viril o é da juventude.”[3]
                     Muitos serão os espíritos que, não sendo mais merecedores de viver aqui, serão retirados da Terra mesmo contra a vontade[4], para recomeçar novos ciclos reencarnatórios em outros mundos[5]: “Irão para mundos novos, menos adiantados, desempenhar missões penosas, trabalhando pelo seu próprio adiantamento, ao mesmo tempo em que trabalharão pelo de seus irmãos ainda mais atrasados.”[6]
                    Os espíritos banidos da Terra serão de dois tipos: os “que praticam o mal pelo mal”[7] e os que “tentem deter a marcha das coisas”[6]. A primeira informação sobre a natureza moral dos excluídos é útil para não criarmos falsas expectativas de um mundo maravilhoso logo no começo do período de regeneração. Pois que se retirarmos todos os que se comprazem no mal, as almas realmente cruéis, revoltadas e ainda avessas a qualquer transformação, restarão muitas pessoas que se não são perversas, boas também não são. Serão aqueles que “passaram raspando” ou quase foram embora do convívio terreno. Entretanto, com o coração não tão duro e inflexível como dos espíritos maus, serão contaminados aos poucos pelo exemplo dos bons espíritos e acabarão por modificar-se após novas reencarnações na Terra. Só então, passados necessariamente os primeiros séculos, cumprir-se-á uma frase sobre o mundo de regeneração encontrada em O Evangelho Segundo o Espiritismo: “Em todas as frontes, vê-se escrita a palavra amor; perfeita equidade preside às relações sociais, todos reconhecem Deus e tentam caminhar para Ele, cumprindo-lhe as leis.”[8] 
                     É um erro, portanto, pensar que logo no começo do Mundo de Regeneração a Terra tenha que ser uma espécie de paraíso. Somente após os primeiros séculos desta nova era que se notarão diferenças significativas em relação ao passado. É bom lembrar também que, mesmo com o mundo de regeneração inteiramente constituído, o mal ainda existirá. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo encontramos: “Mas, ah! nesses mundos, ainda falível é o homem e o espírito do mal não há perdido completamente o seu império.”[8] Ou seja, um mundo onde reine somente a bondade virá apenas numa época posterior ao mundo de regeneração.
                  A segunda informação sobre a natureza dos espíritos excluídos, que vão “tentar deter a marcha das coisas”, revela algo também significativo, pois remete ao tema mentalidade. O espírito não precisa ser apenas mau para deixar a Terra, mas se a sua mentalidade for profundamente retrógrada, contrária a princípios gerais consagrados como os contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e mais, apelando para a violência, como por exemplo, nos casos de assassinatos de homossexuais por motivos religiosos, então também será um candidato a deixar o nosso meio, amargando novas existências em mundos compatíveis com a sua mentalidade e intolerância.
                   Alguém poderá questionar que este mundo de regeneração é uma utopia, pois a brutal realidade dos fatos – as duas Grandes Guerras do século XX, o terrorismo persistindo na época atual, a fome, o tráfico de drogas, a violência das ruas, a degradação da natureza, entre outras coisas – negariam a melhoria da humanidade. Entretanto, este raciocínio não é verdadeiro. Ao lermos a questão 784 de O Livro dos Espíritos nos deparamos com a seguinte indagação: “Bastante grande é a perversidade do homem. Não parece que, pelo menos do ponto de vista moral, ele, em vez de avançar, caminha aos recuos?”. Resposta: “Enganas-te. Observa bem o conjunto e verás que o homem se adianta, pois que melhor compreende o que é mal, e vai dia a dia reprimindo os abusos. Faz-se mister que o mal chegue ao excesso, para tornar compreensível a necessidade do bem e das reformas.” . Desta resposta tiramos desdobramentos importantes ao nosso estudo. O primeiro deles é que ao nos pedir que observássemos bem o conjunto, os espíritos nos cobram uma visão histórica e espiritual do mundo e não uma noção imediatista, na qual muitas vezes somente o mal é valorizado. Por isto, os espíritos disseram: observa bem o conjunto e verás que o homem se adianta. 
                   Citemos como exemplo a generalização dos direitos da mulher. Não é preciso recuar muito no tempo para concluir que a mulher avançou na conquista de muitos direitos, entre eles de participar da política, de estudar e ter uma profissão, de poder escolher com quem vai casar e de ter a fé que mais lhe convenha. Ora, se ainda hoje, em alguns países, alguns destes direitos lhe são recusados, o que se dirá milênios atrás! É inegável, portanto, que houve um avanço.
                    Devemos saber também que a humanidade encarnada não representa toda a humanidade, que está em boa parte no mundo dos espíritos, o que nos leva a acreditar que a dinâmica evolutiva para o mundo de regeneração seja mais complexa do que imaginamos.
                   Outro desdobramento da questão 784 de O Livro dos Espíritos é que os próprios espíritos nos alertaram que o mal chegaria ao excesso. Nunca os espíritos prometeram um mundo cor-de-rosa neste período de transição. Vejamos outras frases dos espíritos que apontam nesta mesma direção: “No vosso [mundo], precisais do mal para sentirdes o bem; da noite, para admirardes a luz; da doença, para apreciardes a saúde.”[5] “O mundo está abalado em seus fundamentos; reboará o trovão. Sede firmes!”[9]. O trovão significa uma grande tempestade, ventos fortes, céu nublado e não calmaria. Isto quer dizer que nada de diferente está ocorrendo que já não estivesse sido previsto. Deus está no controle.
                    Se os problemas do mundo não têm a capacidade de negar o mundo de regeneração, uma vez que eles não representam nenhuma novidade, e mesmo eram esperados pelos espíritos, ainda resta a alegação que a tão sonhada época da regeneração da humanidade ainda vai demorar muito para começar, porém este raciocínio também não está correto.
                     Existem várias frases retiradas das Obras Básicas da Doutrina Espírita que apontam o mundo de regeneração para perto e não para longe, vejamos três delas: “Predita foi a transformação da Humanidade e vos avizinhais do momento em que se dará...”[6]; “Havendo chegado o tempo, grande emigração se verifica dos que a habitam...”[10]; “Bons espíritas, meus bem-amados, sois todos obreiros da última Hora”[11].
                  Se nós conseguirmos compreender o mundo de regeneração como um processo histórico-espiritual gradual e não como um fenômeno repentino; se estivermos cientes das características morais dos que vão embora; se compreendermos que o escândalo e o mal chegando ao excesso já eram esperados, então, nada impede que o começo do mundo de regeneração esteja realmente mais próximo do que imaginamos. Não é necessário transferir, portanto, a Nova Era para daqui a mil anos, como que para salvar a credibilidade da Doutrina Espírita.
                   Entender o que é o mundo de regeneração, através do estudo atento da Doutrina Espírita, é muito importante para nosso próprio esclarecimento, mas principalmente, para trazer o tema à luz da razão e do bom senso, fazendo a regeneração da humanidade uma realidade possível e real.


1. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Capítulo VIII. 67.ed. São Paulo: Ed. Lake, 2007.
2. No entanto, pela lógica da questão 783 de O Livro dos Espíritos, não há garantia total para não acontecer algo mais radical em algum momento.
3. KARDEC, Allan. A Gênese. Capítulo XVIII – “Sinais dos Tempos”. 1.ed. Rio de Janeiro: Ed. León Denis, 2008.
4. A superioridade moral gera uma autoridade irresistível. Por isto, a expulsão dos espíritos maus é inevitável e está conforme a vontade Divina que ninguém pode se opor. Ler a questão 274 de O Livro dos Espíritos.
5. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo III – “Há muitas moradas na casa do meu Pai”. 85.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982.
6. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Questão 1.019. 67.ed. São Paulo: Ed. Lake, 2007.
7. KARDEC, Allan. A Gênese. Capítulo XVIII – “A Geração Nova”. 1.ed. Rio de Janeiro: Ed. León Denis, 2008.
8. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo III – “Mundos Regeneradores”. 85.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982.
9. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo I – “Instruções dos Espíritos”. 85.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982.
10. KARDEC, Allan. A Gênese. Capítulo XVIII – “A Geração Nova”, item 27. 1.ed. Rio de Janeiro: Ed. León Denis, 2008.
11. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo XX – “Os trabalhadores da última hora”. 85.ed. Rio de Janeiro: FEB, 1982.