Publicado
na RIE de agosto de 2015
Para a Doutrina Espírita, Jesus é o mais
perfeito modelo para a humanidade terrestre (1) e por este motivo a presença
deste espírito nas Letras da Codificação é obrigatória, não se tratando, a sua
menção, de uma política de boa vizinhança com o Catolicismo do século XIX (2), escolha
natural em um mundo cristão ou fruto da mentalidade cristã em Kardec ou nos
Espíritos. Mas qual a base doutrinária para concluirmos que Jesus é o mais evoluído
espírito que já encarnou? Modelo e guia pra toda a humanidade e por isto tão
presente na Doutrina Espírita?
Vamos começar com o pensamento
do próprio Allan Kardec, que escreveu nos comentários a questão 625 do Livro
dos Espíritos: “Para o homem, Jesus constitui o
tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo
oferece como o mais perfeito modelo (...) sendo ele o mais puro de
quantos têm aparecido na Terra, o Espírito Divino o animava”. E no
Livro A Gênese, publicado em 1868 encontramos no capítulo XI: “É igualmente
com o objetivo de fazer que a Humanidade se adiante em determinado sentido que
Espíritos superiores, embora sem as qualidades do Cristo, encarnam de tempos a
tempos na Terra...”. Observamos que o
primeiro trecho mostra de maneira clara que Kardec entendia Jesus como o mais
evoluído espírito que já encarnou na Terra e no segundo trecho de 1868,
tornar-se visível a continuidade deste pensamento mesmo passados mais de
uma década do lançamento do Livro dos Espíritos. Mas porque razão Kardec pensava
desta maneira? Três pensamentos do Codificador revelam a resposta a esta
indagação, o primeiro pensamento diz respeito as faculdade ou poderes de Jesus
para efetuar seus conhecidos prodígios: “De todas as faculdades que Jesus revelou, nenhuma se pode apontar estranha às condições
da humanidade e que se não encontre comumente nos homens, porque estão todas na
ordem da Natureza. Pela superioridade, porém, da sua essência moral e de suas
qualidades fluídicas, aquelas faculdades atingiam nele proporções muito acima
das que são vulgares”(3), a
segunda reflexão faz referência à autoridade moral de Jesus para expulsar os
espíritos inferiores: “A subjugação
corporal tira muitas vezes ao obsidiado a energia necessária para dominar o mau
Espírito. Daí o tornar-se precisa a intervenção de um terceiro, que atue, ou
pelo magnetismo, ou pelo império da sua vontade. Em falta do concurso do
obsidiado, essa terceira pessoa deve tomar ascendente sobre o Espírito; porém,
como este ascendente só pode ser moral, só a um ser moralmente superior ao Espírito é dado assumi-lo e seu poder
será tanto maior, quanto maior for a sua superioridade moral, porque, então, se
impõe àquele, que se vê forçado a inclinar-se diante dele. Por isso é que Jesus
tinha tão grande poder para expulsar o a que naquela época se chamava demônio,
isto é, os maus Espíritos obsessores” (4),
e o terceiro pensamento sobre a influência moralizadora de Jesus: “Pelos imensos
resultados que produziu, a sua encarnação neste mundo forçosamente há de ter
sido uma dessas missões que a Divindade somente a seus mensageiros diretos
confia, para cumprimento de seus desígnios”(5).
Se já não bastasse a lógica do
raciocínio de Allan Kardec, para dar embasamento à crença na imensa
superioridade de Jesus e tê-lo como modelo para a humanidade, ainda temos, a
opinião dos próprios Espíritos, que sem dúvida trilham o mesmo caminho: “Um dia, Deus, em
sua inesgotável caridade, permitiu que o homem visse a verdade varar as trevas.
Esse dia foi o do advento do Cristo” (6), “O Cristo foi o iniciador da mais pura, da
mais sublime moral, da moral evangélico-cristã, que há de renovar o mundo,
aproximar os homens e torná-los irmãos” (7); “Irmãos! nada perece. Jesus - Cristo é o vencedor do mal...” (8). “todos
quantos praticam a caridade são discípulos de Jesus...” (9). “Estamos
incumbidos de preparar o reino do bem que Jesus anunciou” (10). Percebemos pela
maneira como os Espíritos falam de Jesus, a autoridade deste espírito, o grau de
abrangência de sua mensagem e o significado de sua encarnação, por isto, sua
figura se impõe na conjuntura da História terrena, em consequência, não poderia
estar ausente na Doutrina Espírita. Como se vê, o comentário de Kardec à
questão 625 do Livro dos Espíritos, citada no início do texto, faz todo sentido.
O pensamento de Kardec e dos
Espíritos em relação a Jesus estão corretos também, por uma característica do
Espiritismo, que é tratar de problemáticas gerais, ou ter princípios universais
(11). Esta vocação, de abranger toda a realidade do mundo, não poderia ser
diferente quanto à moralidade. Desta maneira, os Espíritos ao conjecturarem
sobre as Leis Divinas (12), escolheriam como referência, uma moral também
abrangente, que incluísse toda a realidade e não somente o mundo ocidental, e apenas
a moral de um espírito mais iluminado, com mais autoridade que os outros (13), teria
esta natureza. Vale lembrar o pensamento de Kardec: “Em muitas
circunstâncias, prova Jesus que suas vistas não se circunscrevem ao povo judeu,
mas que abrangem a Humanidade toda” (14). Já dá para notar, como é
equivocada a tese, por exemplo, que os Espíritos da Codificação, teriam citado
Cristo, somente porque estes mesmos espíritos apresentariam a mente embebida no
Cristianismo de suas reencarnações terrenas. Acreditar nisto é como um
observador, que olha um grande lago e vê a apenas sua superfície, e tira por
isto conclusões erradas, ignora, ou quer ignorar o que as profundezas poderiam
lhe fazer conhecer.
Por fim,
todos os espíritas devem lembrar-se da passagem do livro A Gênese de Kardec,
onde está escrito: “Numa palavra, o que
caracteriza a revelação espírita é o ser divina a sua origem e da iniciativa
dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem” (15).
Ora, no Espiritismo, Deus é a inteligência suprema (16), e o Espiritismo veio
ao mundo, em última análise, pelas Suas mãos, já que é divina a sua origem,
então, é bem razoável supor, que a Doutrina Espírita não tenha aparecido por
acaso no Mundo Ocidental, mas por um propósito maior. Que propósito será este,
além da melhoria da humanidade, senão confirmar como, verdadeiras e gerais, as
duas tradições culturais do Ocidente, o monoteísmo e a moral de Jesus? Também
podemos argumentar que o
Espiritismo já estava nos planos de Deus muito antes de Kardec nascer, portanto
não é Ocidental nem Oriental, mas divino na sua essência, por isto compactua
com a verdade (17) com aquilo que é melhor, mais justo, mais evoluído e mais
abrangente. Então é absurda também, a tese onde Jesus é o mais evoluído somente
para agradar a sociedade europeia da época. Tese como esta, só pode ter sentido
para não espíritas, ou para espíritas que nunca compreenderam verdadeiramente o
Espiritismo. Entretanto, entender Jesus como o mais perfeito modelo, como
Kardec pensava, está completamente dentro da lógica Doutrinária e não há razão
para abandonarmos esta tradicional convicção por outras interpretações.
Devemos aprender que o
tradicional não será necessariamente ultrapassado por ser tradicional e que o
novo não será verdadeiro somente por que é novo. Muitas vezes, opiniões pessoais
com pouca ou nenhuma fundamentação real tentam se legitimar atrás de palavras como
“nova visão” disto ou daquilo. Raciocínios falsos tentam ganhar ares de verdade
vestidos pelo vocabulário erudito. Autores comprometidos mais com seu próprio prestígio
pessoal do que pela Doutrina lançam teses duvidosas. Não pretendemos com estas
observações execrar o novo, e deixar de lado as contribuições que podem nos
trazer os estudiosos e pesquisadores da Doutrina Espírita, porém, devemos dar
credibilidade as críticas a qualquer visão tradicional, somente se estiverem
com melhores, mais fortes e mais profundos argumentos, com poder de mostrar o
erro (18) e revelar novos caminhos a seguir.
(1) No Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo III em Destinação da
Terra. Causas das Misérias Terrenas está escrito: “Deve-se considerar que na
Terra não está a Humanidade toda, mas apenas uma pequena fração da Humanidade.
Com efeito, a espécie humana abrange todos os seres dotados de razão que povoam
os inúmeros orbes do Universo”. O que nos leva a crer em encarnações
missionárias nestes planetas, análogas a do Cristo, por outros espíritos de
grande evolução espiritual.
(2) O Espiritismo nasceu oficialmente no século XIX em 18 de abril de 1857 com a publicação da primeira
edição do Livro dos Espíritos.
(3) Livro A Gênese de Kardec, capítulo XV, Os Milagres do Evangelho,
item transfiguração.
(4) Livro dos Médiuns de
Kardec, capítulo XXIII, Da Obsessão, item 251.
(5) Livro A Gênese de Kardec, capítulo XV, Os
Milagres do Evangelho em Superioridade da Natureza de Jesus.
(6) e (7) Espírito Fénelon, e Um Espírito israelita, respectivamente no Evangelho Segundo
o Espiritismo, capítulo primeiro, Não Vim Destruir a Lei em Instruções dos
Espíritos.
(8) Espírito de Verdade, Evangelho
Segundo o Espiritismo, capítulo VI, O Cristo Consolador.
(9) Espírito Paulo o apóstolo, Evangelho Segundo o
Espiritismo, capítulo XV, Instruções dos Espíritos.
(10) Resposta dos Espíritos à questão 627 do Livro
dos Espíritos.
(11) A Lei do Progresso analisada na Parte
Terceira, capítulo VIII do Livro dos Espíritos, é um exemplo.
(12) Livro dos Espíritos, Terceira Parte, Capítulo
I, Da Lei Divina ou Natural.
(13) Quanto mais evoluído é o espírito mais autoridade tem ele sobre os
outros. Em consequência mais verdadeira e abrangente é sua mensagem. No Livro
dos Espíritos está escrito: “Os
Espíritos têm uns sobre os outros a autoridade correspondente ao grau de
superioridade que hajam alcançado, autoridade que eles exercem por um
ascendente moral irresistível”.
(14) Livro O Evangelho Segundo o Espiritismo,
capítulo XXIV, Não ponhais a candeia debaixo do alqueire, item nove.
(15) Livro A Gênese, Capítulo I, Caráter da
Revelação Espírita, item 13.
(16) Na primeira pergunta do Livro dos Espíritos a resposta dos
Espíritos: “Deus é a
inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”.
(17) No prefácio do Evangelho Segundo o Espiritismo as palavras do Espírito
de Verdade: “Eu vos digo, em verdade, que são chegados os
tempos em que todas as coisas hão de ser restabelecidas no seu verdadeiro
sentido, para dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os
justos”.
(18) Livro A Gênese de Kardec no capítulo
Caráter da Revelação Espírita, item 55, Kardec escreve: “Caminhando de par com
o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas
descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se
modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará”.
FAUSTO
FABIANO DA SILVA
BIBLIOGRAFIA
KARDEC,
Allan. O Livro dos Espíritos. 67.
ed. São Paulo: Ed. Lake, 2007.
KARDEC, Allan. A
Gênese. 1ed. Rio de Janeiro: Ed. León Denis, 2008.
KARDEC,
Allan. Evangelho Segundo o Espiritismo.
85. ed. Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1982.
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