DO MATERIALISMO À CRENÇA NOS ESPÍRITOS
Publicado na RIE em abril de 2015
Na Revista Espírita de
Fevereiro de 1869 em “Um Espírito que julga sonhar” temos um caso curioso de
comunicação mediúnica: um espírito que acredita estar ainda no corpo físico,
mesmo tendo já desencarnado. Exemplos assim, não são incomuns, mas o que nos
chama atenção neste caso, é a dificuldade do espírito em aceitar a sua nova
situação, tanto é assim que acreditava estar vivendo um sonho, que logo
despertaria outra vez para a vida material, a única forma que seria a
verdadeira no seu entendimento. Em certo
momento tentaram persuadi-lo perguntando: “Onde está o vosso verdadeiro corpo?
Não está aqui, pois não estais em vossa casa. Quando se sonha, está-se em seu
leito. Ide, pois, ver em vosso leito se o vosso corpo lá está e dizei-nos como
podeis estar aqui sem o vosso corpo? Perdendo a paciência por estas reiteradas
perguntas, às quais apenas respondia pelas palavras: Efeitos bizarros dos
sonhos...”. Nós sabemos que existem pessoas que não acreditariam mesmo que
vissem (1), mas através da análise deste caso da Revista Espírita, nós
entendemos que pode existir por certo tempo, pessoas tão presas a suas próprias
convicções que não acreditariam em espíritos mesmo que elas próprias já
estivessem no plano espiritual. É interessante a opinião do Espírito Erasto sobre o materialismo entre
os espíritos, encontrada na Revista Espírita de maio de 1863 em “Questões e
Problemas”: “Uma das condições de sua cegueira moral é de aprisionar mais
violentamente nos laços da materialidade e, conseguintemente, de os impedir que
se afastem das regiões terrestres ou similares à Terra. E, assim como a maioria
dos desencarnados, cativos na carne, não pode perceber as formas vaporosas dos
Espíritos que os cercam, também a opacidade do envoltório dos materialistas
lhes impede a contemplação das entidades espirituais que se movem, tão belas e
tão radiosas, nas altas esferas do império celeste”.
O que podemos aprender é que
o apego pode ser extremo a determinadas visões de mundo, no caso, o ponto de
vista materialista, onde os espíritos não podem existir de jeito nenhum. Se a
crença nos espíritos é incômoda para alguns indivíduos, pasmem, mesmo após o
desencarne, o que se dirá para eles durante a vida terrena. Isto revela a
necessidade de inúmeras reencarnações para o espírito ou mesmo para populações
inteiras até que se tornem mais simpáticos as concepções espiritualistas,
porque o materialismo tem ainda a sua força de convencimento,
entretanto, a crença nos espíritos faz parte de uma determinação maior chamada
Lei do Progresso, são esclarecedoras as palavras de Kardec: “O homem não pode
conservar-se indefinidamente na ignorância, porque tem de atingir a
finalidade que a Providência lhe assinou. Ele se instrui pela força das coisas.
As revoluções morais, como as revoluções sociais, se infiltram nas ideias pouco
a pouco; germinam durante séculos; depois, irrompem subitamente e produzem o
desmoronamento do carunchoso edifício do passado, que deixou de estar em harmonia
com as necessidades novas e com as novas aspirações” (2).
Nota-se então que os
acolhimentos de ideias progressistas, abrangidas aí à crença nos espíritos,
estão todas incluídas num longo processo histórico onde a reencarnação toma papel
fundamental por que através das reencarnações modificam-se as
mentalidades. Engana-se quem pensa que
este processo não acontecerá, digo mesmo que já está acontecendo. O paradigma
materialista, por exemplo, está enfraquecido com o próprio desenvolvimento da
Ciência como nos mostra o Filósofo Nicola Abbgnano: “o materialismo da metade do séc. XIX tem
caráter romântico, pois não se limita a ser uma tese filosófica dotada de maiores ou menores possibilidades de
confirmação, mas pretende ser doutrina de vida, destinada a vencer a religião e
a suplantá-la. Essa pretensão confere a tais doutrinas um tom violentamente
polêmico e profético, transformado a "Ciência" na nova tábua da
verdade absoluta. Essa atitude recebeu o nome de cientificismo e constitui a vanguarda romântica da ciência do séc.
XIX; o materialismo foi seu credo. Mas esse credo foi em parte destruído pela
própria ciência, em virtude da crise de sua concepção mecanicista nos últimos
decênios do séc. XIX”. Hoje a Física atual dá mais um golpe contra a concepção
materialista quando afirma que o
Universo visível ou normal é uma
pequenina parte (cerca de 4 ou 5 %) de outro, invisível, composto
basicamente por matéria e energia escura (3),
é útil lembrarmos a questão 22 do Livro dos Espíritos: “Mas a matéria existe em estados que
ignorais. Pode ser, por exemplo, tão etérea e sutil, que nenhuma impressão vos
cause aos sentidos”. Outro exemplo, do enfraquecimento materialista, são os
estudos da sobrevivência da alma nos meios acadêmicos, deslocando a questão
para fora do âmbito religioso ou do espaço exclusivo da fé. Um exemplo desta
pesquisa, entre outras semelhantes, saiu recentemente na imprensa: “Cientistas
e pesquisadores holandeses publicaram estudo no qual revelam que nossas almas
podem abandonar nossos corpos e observá-los. Foram mais de 70 casos estudados
com pessoas que relataram experiências durante o período em que estiveram
clinicamente mortas. O caso mais impressionante relatado pela pesquisa é de um
paciente clinicamente morto por 20 minutos durante uma cirurgia cardíaca. Se
sua volta à vida surpreendeu médicos, estes ficaram ainda mais perplexos quando
ele descreveu que “saiu de seu corpo” e soube indicar precisamente a posição em
que cada um dos médicos durante o período em que estava morto, além de fatos
relevantes que aconteceram na sala”.
A aceitação da existência dos espíritos compreendidos como homens
e mulheres desencarnados é um processo irreversível, porque os espíritos
“constituem uma das potências da Natureza” (4) e são
parte da realidade quer gostemos ou não.
É claro que, no processo da aceitação da sobrevivência da alma conforme
a compreensão espírita, os opositores materialistas tentarão a todo custo, e
enquanto for possível, entender a alma e suas manifestações como simples
reações neurológicas. Mas os adversários não se encontrarão somente entre os
materialistas, mas também no meio dos religiosos que defenderão as
manifestações espíritas como maquinações do diabo, engodo, entre outras causas,
mesmo as mais extravagantes, desde que seja afastada a tese espírita.
Reflitamos, portanto, que o Espiritismo ainda terá uma longa trajetória pela
frente, onde as ideias não espíritas procurarão se manter vivas a quem as
tenham por fé religiosa, convicções materialistas ou por outras
influências; mas isto é compreensível,
diante da dificuldade em abandonar
crenças religiosas ou não, profundamente enraizadas, ou quando o orgulho
dificulte a mudança de opinião.
No longo
processo de difusão do pensamento espírita os escolhos virão então por vários
lados e se apresentarão de várias maneiras, de forma que os espíritas devem
estar preparados. Sobre isto é útil
lembrar o que foi dito a Kardec, palavras encontradas em Obras Póstumas em
“Minha Missão”: “Suscitarás
contra ti ódios terríveis; inimigos encarniçados se conjurarão para tua perda;
ver-te-ás a braços com a malevolência, com a calúnia, com a traição mesma dos
que te parecerão os mais dedicados; as tuas melhores instruções serão
desprezadas e falseadas...” Devemos ponderar em que medida estas palavras
também dizem respeito a todos os espíritas. Professar ideias de vanguarda num
mundo apegado a antigas tradições tem seu preço: preconceito, ironia,
desconfiança e incompreensão, mas estejamos certos que esta fase passará, e até
lá, podemos sim, reclamar o devido respeito por nossas ideias, mas não podemos
exigir dos outros a compreensão do mundo que não possuem.
Para aqueles que têm fé
verdadeira em Deus e nos postulados espíritas, a crença nos espíritos bem como
a certeza da imortalidade, da reencarnação, da comunicação mediúnica e da
justiça Divina se tornarão gerais, não importa o tempo que passe. Neste longo caminho,
cada espírita é chamado a um propósito maior: “É chegada a hora em que deveis sacrificar à sua propagação os
vossos hábitos, os vossos trabalhos, as vossas ocupações fúteis. Ide e pregai”
(5), no entanto nem todos os espíritas permanecerão no caminho: “mas,
atenção! entre os chamados para o Espiritismo muitos se transviaram; reparai, pois, vosso caminho e segui a
verdade” (6), porém, “ditosos serão os que houverem trabalhado no campo do
Senhor, com desinteresse e sem outro móvel, senão a caridade! Seus dias de
trabalho serão pagos pelo cêntuplo do que tiverem esperado” (7).
(1) Questão 802 do Livro dos Espíritos
(2) Questão 783 do Livro dos Espíritos
(3) “Esse mundo faz parte do nosso sistema
planetário? R– Sim; está muito próximo de vós. Entretanto, não podeis
vê-lo, porque não tem luz própria e não recebe
nem reflete a luz dos sóis que o rodeiam”. Segundo os cientistas, a matéria
escura tem este nome porque não reflete e nem absorve a luz, será então o que o
mundo descrito pelo espírito Alexandre de Humboldt em Conversas Familiares de Além-Túmulo na Revista Espírita de junho de 1859,
é feito de matéria ou energia escura? Ou a matéria/energia escuras já são
elementos do plano espiritual? Somente o futuro dirá.
(4) Introdução e questão 87 do Livro dos
Espíritos
(5) e (6) Evangelho Segundo o Espiritismo em
Missão dos Espíritas
(7) Evangelho Segundo o Espiritismo em Os
Obreiros do Senhor
FAUSTO FABIANO DA SILVA
BIBLIOGRAFIA
.
KARDEC,
Allan. Revista Espírita. Fevereiro de 1869, Araras: Ed. IDE, 2001.
KARDEC,
Allan. Revista Espírita. Maio de 1863, Araras: Ed. IDE, 2000.
KARDEC,
Allan. Revista Espírita. Junho de 1859, Araras: Ed. IDE, 2001.
KARDEC, Allan. O Livro dos
Espíritos. 67 ed. São Paulo: Ed.
Lake, 2007.
KARDEC, Allan. Evangelho Segundo o Espiritismo. 85. ed. Rio de Janeiro: Ed. FEB,
1982.
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 19 ed. São Paulo: Ide, 2004.
ABBAGNANO,
Nicola. Dicionário de Filosofia. 5.
ed. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2007.
<https://br.noticias.yahoo.com/blogs/eita/cientistas-atestam-que-nossa-alma-pode-deixar-o-corpo-e-observá-lo-135252335.html>
Acesso em 24-01-15.
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