segunda-feira, 2 de novembro de 2015

 SOBRE A GERAÇÃO ESPONTÂNEA

Publicado na RIE novembro de 2015


                   A Teoria da Geração Espontânea ou abiogênese é a crença na origem do ser vivo sem que este precise de pais biológicos para existir.  Por exemplo, acreditar que larvas se originariam simplesmente de carnes em putrefação ou esperar que seres vivos apareçam através da ativação da matéria inanimada. Segundo José Luis Soares, na teoria da geração espontânea: o “calor, a umidade e o lodo poderiam constituir-se em elementos fundamentais para a ativação da matéria bruta” (1), por isto, por exemplo, que Jan Baptiste van Helmont (2) ensinava a obtenção de escorpiões e ratos a partir camisolas suadas em lugares escuros e úmidos.
                   A idéia da geração espontânea pode nos parecer atualmente até ridícula, porém, foi aceita como hipótese possível da Antiguidade até o século XIX, quando o biólogo Louis Pasteur a questionou de maneira definitiva com suas experiências com o frasco de “pescoço de cisne” (3) de modo que, retirando o problema da origem dos primeiros seres vivos em épocas primordiais, sabemos que todas as criaturas vivas, inclusive as microscópicas, se originam de outras pela reprodução. Entretanto, é um erro pensarmos que logo após os experimentos de Louis Pasteur, a idéia da geração espontânea tenha desaparecido completamente da mentalidade do homem do século XIX, já que é necessário certo tempo para que as ideias novas se estabeleçam e as antigas tenham ido embora, assim, não é estranho que Allan Kardec tenha defendido a abiogênese para seres orgânicos simples (4), porém, nunca abordou o tema de forma categórica, ao contrário, tratou da questão como uma hipótese (5).
                   Sendo compreensível a opinião de Kardec sobre a geração espontânea, qual era o posicionamento dos Espíritos que trabalhavam junto ao Codificador? Iluminar este ponto é importantíssimo devido à alegação de alguns críticos que afirmam terem sido os Espíritos da Codificação a favor da Geração Espontânea, na questão 46 do Livro dos Espíritos.
                   Para compreendermos o Espiritismo é um erro analisar a questão 46 ou outra, de maneira isolada. Para sabermos o que realmente os Espíritos desejaram expressar devemos ir para além da questão 46 para depois, apenas depois, retornarmos a ela.
                   A teoria da geração espontânea pressupõe que os seres vivos, surgidos desta maneira, não tenham nenhuma relação entre si, já que não teriam nenhuma forma de parentesco, seriam independentes, pois na ausência de pais, não poderiam ser parentes. Entretanto, os Espíritos da Codificação revelam que na natureza, as espécies mais diferentes guardam relação entre si, como fica evidente neste trecho, da questão 589 do Livro dos Espíritos: “Tudo em a Natureza é transição, por isso mesmo que uma coisa não se assemelha a outra e, no entanto, todas se prendem umas às outras (6) (grifo meu). Como vemos, se tudo na natureza tem pontos de contato até as coisas mais díspares, é porque os seres vivos não nascem por geração espontânea e sim pela reprodução. Outra questão útil para se analisar é a 53 “a” do Livro dos Espíritos onde foi perguntado se os diferentes tipos de homens (7) que surgiram a milhões de anos atrás eram espécies distintas e a resposta dos Espíritos foi: “Certamente que não; todos são da mesma família. Porventura as múltiplas variedades de um mesmo fruto são motivo para que elas deixem de formar uma só espécie? e por fim a questão 49 do Livro dos Espíritos onde a ideia da reprodução é bem visível: Se o gérmen da espécie humana se encontrava entre os elementos orgânicos do globo, por que não se formam espontaneamente homens, como na origem dos tempos? R: “O princípio das coisas está nos segredos de Deus. Entretanto, pode dizer-se que os homens, uma vez espalhados pela Terra, absorveram em si mesmos os elementos necessários à sua própria formação, para os transmitir segundo as leis da reprodução. O mesmo se deu com as diferentes espécies de seres vivos” (Grifo meu). Nesta última questão é interessante notar que os espíritos não entraram em detalhes sobre o início das coisas, apenas disseram “uma vez espalhados”, nem disseram como teria sido a absorção dos elementos necessários à formação do homem, porém, como tudo na natureza tem pontos de contato, estes elementos apenas poderiam vir de outros seres vivos, ancestrais do homem e não por geração espontânea, além disso, palavras como “transição”, “todas se prendem umas às outras”, “leis da reprodução” e “família” remetem a conceitos atuais em Biologia e Genética, trazendo a Doutrina Espírita para o mundo contemporâneo o que afasta a hipótese dos Espíritos terem defendido a Teoria da Geração Espontânea.
                 Uma vez feito estas análises preliminares chegamos à questão 46 do Livro dos Espíritos: “Ainda há seres que nasçam espontaneamente? Sim, mas o gérmen primitivo já existia em estado latente. Sois todos os dias testemunhas desse fenômeno. Os tecidos do corpo humano e do dos animais não encerram os germens de uma multidão de vermes que só esperam, para desabrochar, a fermentação pútrida que lhes é necessária à existência? É um mundo minúsculo que dormita e se cria.”
                  Ao analisarmos a resposta dos espíritos, percebemos que ela não diz respeito a Teoria da Geração Espontânea.  É fácil entender isto após analisar o tipo de exemplo que os espíritos deram: vermes que desabrocham na fermentação pútrida dos cadáveres. Ora, se tudo na natureza tem pontos de contato, descartada está a Geração Espontânea permanente, então a palavra “verme” não pode se referir aos seres macroscópicos que comem os cadáveres, já que estes se originam das moscas e não estão dentro do corpo humano, aguardando a morte dos tecidos para desabrochar. As coisas que estão dentro dos órgãos são multidões de bactérias que participam do processo de putrefação, principalmente as intestinais (8) e é neste sentido que se deve entender a palavra verme.
                Observamos que os espíritos não se referem à Teoria da Geração Espontânea na questão 46 do Livro dos Espíritos, mas sim, a fenômenos de aparecimento e desenvolvimento de seres vivos sem causa exterior aparente, sem a intervenção do homem, ou que não estejamos esperando. Podemos citar outros fenômenos que se encaixam na frase: “É um mundo minúsculo que dormita e se cria” como o convívio durante anos com vírus patológicos que ficam encubados (dormindo) de forma latente, encobertos, ocultos, para se reproduzirem em certas ocasiões ocasionando doenças como a herpes. As bactérias do mesmo modo, embora possam participar de outros processos enquanto o corpo está vivo, conservam a capacidade de tomar parte da decomposição em “segredo”, as ocultas, “esperando”, o sistema imunológico ausentar-se, na ocasião da morte, para se reproduzirem (desabrocharem) livremente pelo corpo.
                 No contexto integral da reflexão que fizemos até aqui, entendemos de maneira mais clara a resposta dos espíritos sobre a possibilidade do nascimento de seres de forma espontânea: “Sim, mas o gérmen primitivo já existia em estado latente”. Ora, a resposta foi afirmativa, porém com uma condição, o germe primitivo teria que existir com antecedência, ou seja, o germe (estado rudimentar e originário de todo ser vivo, embrião) teria que já estar presente em forma latente para depois se multiplicar.  Notamos que os Espíritos não entraram em detalhes como este embrião, semente, ou germe teria aparecido, mas como vimos anteriormente, que a Doutrina Espírita não defende a Teoria da Geração Espontânea, mas justamente o contrário, defende as leis da reprodução, da descendência, da transição (evolução) e o parentesco entre as espécies, este “gérmen primitivo” apenas poderia ter se originado pela reprodução de outros seres vivos e estes de outros, assim sucessivamente até chegarmos ao tempo das primeiras eras do planeta Terra e por fim aos mistérios da Criação.


(1) Livro Biologia Básica de José Luis Soares.
(2) O Belga Jan Baptiste van Helmont foi médico, fisiologista, químico e bioquímico e grande propagador da Abiogênese do século XVII.
(3) O frasco de pescoço de cisne impede que os microorganismos do ar entrem em contato com um caldo que fica estéril após fervido. Somente se for quebrado o gargalo do frasco é que surgem microorganismos no caldo, indicando que estes se originam do exterior e não nascem espontaneamente da substancia fervida.
(4) No livro A Gênese de Allan Kardec, capítulo X em Escala dos Seres Orgânicos, item 25 está escrito: De acordo com o que fica dito, percebe-se que não exista geração espontânea senão para os seres orgânicos elementares”.
(5) No livro A Gênese de Allan Kardec, capítulo X em Geração Espontânea, item 23: No estado atual dos nossos conhecimentos, não podemos estabelecer a teoria da geração espontânea permanente, senão como hipótese, mas como hipótese provável e que um dia, talvez, tome lugar entre as verdades científicas incontestes”.
(6) Kardec indaga nesta questão se a planta carnívora (dioneia) seria uma espécie de transição entre as plantas e os animais, revelando que o assunto nesta questão era a dimensão biológica dos seres vivos e não a questão espiritual tratada em outras perguntas.
(7) Homo habilis, erectus, ergaster, heidelbergensis, floresiensis e neanderthalensis e o recentemente encontrado Homo naledi, são exemplos de ancestrais humanos cuja árvore genealógica confirma antepassados comuns.
(8) No endereço: http://gizmodo.uol.com.br/corpo-depois-morte/ encontramos informações sobres às bactérias intestinais na ocasião da morte: “De longe, a maior dessas comunidades vive no intestino, lar de trilhões de bactérias que pertencem a centenas ou milhares de espécies diferentes”, mais adiante outra passagem: “A maioria dos órgãos internos são desprovidos de micróbios quando estão vivos. Pouco depois da morte, no entanto, o sistema imunológico para de funcionar, deixando que eles se espalhem livremente por todo o corpo”, E finalmente neste outro trecho: “Uma vez que a autodigestão se inicia e a bactéria começa a escapar do trato gastrointestinal, a putrefação começa”.


Fausto Fabiano da Silva
contextoespirita.blogspot.com

BIBLIOGRAFIA

KARDEC, Allan. A Gênese. 1ed. Rio de Janeiro: Ed. León Denis, 2008.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 67 ed. São Paulo: Ed. Lake, 2007.
SOARES, José Luis. Biologia Básica. 2 ed. São Paulo:  Ed. Scipione, 1988.
COSTANDI, Moheb. Tudo o que acontece com o corpo após a morte. Disponível em: http://gizmodo.uol.com.br/corpo-depois-morte/ . Acesso em 24 ago. 2015.






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