SOBRE A GERAÇÃO ESPONTÂNEA
Publicado na RIE
novembro de 2015
A Teoria da Geração Espontânea
ou abiogênese é a crença na origem do ser vivo sem que este precise de pais
biológicos para existir. Por exemplo,
acreditar que larvas se originariam simplesmente de carnes em putrefação ou
esperar que seres vivos apareçam através da ativação da matéria inanimada.
Segundo José Luis Soares, na teoria da geração espontânea: o “calor, a umidade
e o lodo poderiam constituir-se em elementos fundamentais para a ativação da
matéria bruta” (1), por isto, por exemplo, que Jan Baptiste van Helmont (2)
ensinava a obtenção de escorpiões e ratos a partir camisolas suadas em lugares
escuros e úmidos.
A
idéia da geração espontânea pode nos parecer atualmente até ridícula, porém, foi
aceita como hipótese possível da Antiguidade até o século XIX, quando o biólogo
Louis Pasteur a questionou de maneira definitiva com suas experiências com o frasco
de “pescoço de cisne” (3) de modo que, retirando o problema da origem dos
primeiros seres vivos em épocas primordiais, sabemos que todas as criaturas
vivas, inclusive as microscópicas, se originam de outras pela reprodução. Entretanto,
é um erro pensarmos que logo após os experimentos de Louis Pasteur, a idéia da
geração espontânea tenha desaparecido completamente da mentalidade do homem do
século XIX, já que é necessário certo tempo para que as ideias novas se estabeleçam
e as antigas tenham ido embora, assim, não é estranho que Allan Kardec tenha
defendido a abiogênese para seres orgânicos simples (4), porém, nunca abordou o
tema de forma categórica, ao contrário, tratou da questão como uma hipótese (5).
Sendo compreensível a opinião de Kardec sobre a geração
espontânea, qual era o posicionamento dos Espíritos que trabalhavam junto ao
Codificador? Iluminar este ponto é importantíssimo devido à alegação de alguns
críticos que afirmam terem sido os Espíritos da Codificação a favor da Geração
Espontânea, na questão 46 do Livro dos Espíritos.
Para compreendermos o
Espiritismo é um erro analisar a questão 46 ou outra, de maneira isolada. Para
sabermos o que realmente os Espíritos desejaram expressar devemos ir para além
da questão 46 para depois, apenas depois, retornarmos a ela.
A teoria da geração espontânea
pressupõe que os seres vivos, surgidos desta maneira, não tenham nenhuma
relação entre si, já que não teriam nenhuma forma de parentesco, seriam
independentes, pois na ausência de pais, não poderiam ser parentes. Entretanto,
os Espíritos da Codificação revelam
que na natureza, as espécies mais
diferentes guardam relação entre si, como fica evidente neste trecho, da questão 589 do Livro dos Espíritos:
“Tudo em a Natureza é transição,
por isso mesmo que uma coisa não se assemelha a outra e, no entanto, todas se prendem umas às outras” (6) (grifo meu).
Como vemos, se tudo na natureza tem pontos de contato até as coisas mais
díspares, é porque os seres vivos não nascem por geração espontânea e sim pela
reprodução. Outra questão útil para se analisar é a 53 “a” do Livro dos
Espíritos onde foi perguntado se os diferentes tipos de homens (7) que surgiram
a milhões de anos atrás eram espécies distintas e a resposta dos Espíritos foi: “Certamente que não; todos são da mesma
família. Porventura as múltiplas variedades de um mesmo fruto são motivo para
que elas deixem de formar uma só espécie? e por fim a questão 49 do Livro
dos Espíritos onde a ideia da reprodução é bem visível: Se o gérmen da
espécie humana se encontrava entre os elementos orgânicos do globo, por que não
se formam espontaneamente homens, como na origem dos tempos? R: “O princípio das coisas está nos segredos de
Deus. Entretanto, pode dizer-se que os homens, uma vez espalhados pela Terra,
absorveram em si mesmos os elementos necessários à sua própria formação, para os transmitir segundo as leis da
reprodução. O mesmo se deu com as diferentes espécies de seres vivos” (Grifo
meu). Nesta última questão é interessante notar que os espíritos não entraram
em detalhes sobre o início das coisas, apenas disseram “uma vez espalhados”,
nem disseram como teria sido a absorção dos elementos necessários à formação do
homem, porém, como tudo na natureza tem pontos de contato, estes elementos
apenas poderiam vir de outros seres vivos, ancestrais do homem e não por geração
espontânea, além disso, palavras como “transição”, “todas se prendem umas às
outras”, “leis da reprodução” e “família” remetem a conceitos atuais em
Biologia e Genética, trazendo a Doutrina Espírita para o mundo contemporâneo o que
afasta a hipótese dos Espíritos terem defendido a Teoria da Geração Espontânea.
Uma
vez feito estas análises preliminares chegamos à questão 46 do Livro dos
Espíritos: “Ainda há seres que nasçam espontaneamente? Sim,
mas o gérmen primitivo já existia em estado latente. Sois todos os dias
testemunhas desse fenômeno. Os tecidos do corpo humano e do dos animais não
encerram os germens de uma multidão de vermes que só esperam, para desabrochar,
a fermentação pútrida que lhes é necessária à existência? É um mundo minúsculo
que dormita e se cria.”
Ao analisarmos a resposta dos espíritos,
percebemos que ela não diz respeito a Teoria da Geração Espontânea. É fácil entender isto após analisar o tipo de
exemplo que os espíritos deram: vermes que desabrocham na fermentação pútrida
dos cadáveres. Ora, se tudo na natureza tem pontos de contato, descartada está
a Geração Espontânea permanente, então a palavra “verme” não pode se referir
aos seres macroscópicos que comem os cadáveres, já que estes se originam das
moscas e não estão dentro do corpo humano, aguardando a morte dos tecidos para
desabrochar. As coisas que estão dentro dos órgãos são multidões de bactérias
que participam do processo de putrefação, principalmente as intestinais (8) e é
neste sentido que se deve entender a palavra verme.
Observamos
que os espíritos não se referem à Teoria da Geração Espontânea na questão 46 do
Livro dos Espíritos, mas sim, a fenômenos de aparecimento e desenvolvimento de
seres vivos sem causa exterior aparente, sem a intervenção do homem, ou que não
estejamos esperando. Podemos citar outros fenômenos que se encaixam na frase: “É
um mundo minúsculo que dormita e se cria” como o convívio durante anos com
vírus patológicos que ficam encubados (dormindo) de forma latente, encobertos,
ocultos, para se reproduzirem em certas ocasiões ocasionando doenças como a
herpes. As bactérias do mesmo modo, embora possam participar de outros
processos enquanto o corpo está vivo, conservam a capacidade de tomar parte da
decomposição em “segredo”, as ocultas, “esperando”, o sistema imunológico
ausentar-se, na ocasião da morte, para se reproduzirem (desabrocharem) livremente
pelo corpo.
No contexto integral da
reflexão que fizemos até aqui, entendemos de maneira mais clara a resposta dos
espíritos sobre a possibilidade do nascimento de seres de forma espontânea: “Sim, mas o gérmen primitivo já existia em
estado latente”. Ora, a resposta foi afirmativa, porém com uma condição, o
germe primitivo teria que existir com antecedência, ou seja, o germe (estado
rudimentar e originário de todo ser vivo, embrião) teria que já estar presente em
forma latente para depois se multiplicar. Notamos que os Espíritos não entraram em
detalhes como este embrião, semente, ou germe teria aparecido, mas como vimos
anteriormente, que a Doutrina Espírita
não defende a Teoria da Geração Espontânea, mas justamente o contrário, defende
as leis da reprodução, da descendência, da transição (evolução) e o parentesco
entre as espécies, este “gérmen primitivo” apenas poderia ter se originado pela
reprodução de outros seres vivos e estes de outros, assim sucessivamente até
chegarmos ao tempo das primeiras eras do planeta Terra e por fim aos mistérios
da Criação.
(1) Livro Biologia Básica de José Luis Soares.
(2) O Belga Jan Baptiste van Helmont foi médico, fisiologista, químico
e bioquímico e grande propagador da Abiogênese do século XVII.
(3) O frasco de pescoço de cisne impede que os microorganismos do ar
entrem em contato com um caldo que fica estéril após fervido. Somente se for
quebrado o gargalo do frasco é que surgem microorganismos no caldo, indicando
que estes se originam do exterior e não nascem espontaneamente da substancia
fervida.
(4) No livro A Gênese de Allan Kardec, capítulo X em Escala dos Seres
Orgânicos, item 25 está escrito: “De acordo com o que fica dito, percebe-se que não exista
geração espontânea senão para os seres orgânicos elementares”.
(5) No livro
A Gênese de Allan Kardec, capítulo X em Geração Espontânea ,
item 23: “No
estado atual dos nossos conhecimentos, não podemos estabelecer a teoria da
geração espontânea permanente,
senão como hipótese, mas como hipótese provável e que um dia, talvez, tome
lugar entre as verdades científicas incontestes”.
(6) Kardec indaga nesta questão se a planta carnívora (dioneia) seria
uma espécie de transição entre as plantas e os animais, revelando que o assunto
nesta questão era a dimensão biológica dos seres vivos e não a questão
espiritual tratada em outras perguntas.
(7) Homo habilis, erectus, ergaster, heidelbergensis, floresiensis e
neanderthalensis e o recentemente encontrado Homo naledi, são exemplos de
ancestrais humanos cuja árvore genealógica confirma antepassados comuns.
(8) No endereço: http://gizmodo.uol.com.br/corpo-depois-morte/
encontramos informações sobres às bactérias intestinais na ocasião da morte: “De longe, a maior dessas comunidades
vive no intestino, lar de trilhões de bactérias que pertencem a centenas
ou milhares de espécies diferentes”, mais adiante outra passagem: “A
maioria dos órgãos internos são desprovidos de micróbios quando estão vivos.
Pouco depois da morte, no entanto, o sistema imunológico para de funcionar, deixando que eles se espalhem
livremente por todo o corpo”, E finalmente neste outro trecho: “Uma vez que a
autodigestão se inicia e a bactéria começa a escapar do trato gastrointestinal,
a putrefação começa”.
Fausto Fabiano da Silva
contextoespirita.blogspot.com
BIBLIOGRAFIA
KARDEC,
Allan. A Gênese. 1ed. Rio de Janeiro: Ed. León Denis, 2008.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 67 ed.
São Paulo: Ed. Lake, 2007.
SOARES, José Luis. Biologia
Básica. 2 ed. São Paulo: Ed.
Scipione, 1988.
COSTANDI, Moheb. Tudo o que acontece com o corpo após a
morte. Disponível em: http://gizmodo.uol.com.br/corpo-depois-morte/
. Acesso em 24 ago. 2015.
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