OS ESPÍRITOS SE ALIMENTAM?
RIE JUNHO 2014
Existem
várias citações em obras mediúnicas, de espíritos desencarnados consumindo
frutas, sopas ou água no mundo espiritual. A pergunta que podemos fazer é:
estes casos encontram apoio nas obras de Kardec?
Primeiramente, lembremos uma passagem
significativa do livro A Gênese de Kardec, capítulo Os Fluidos, item 20, que
comprova que o Codificador se referiu à alimentação espiritual mesmo que
implicitamente: “O
pensamento, portanto, produz uma espécie de efeito físico que reage sobre o
moral, fato este que só o Espiritismo podia tornar compreensível. O homem o
sente instintivamente, visto que procura as reuniões homogêneas e simpáticas,
onde sabe que pode haurir novas forças morais, podendo-se dizer que, em tais
reuniões, ele recupera as perdas
fluídicas que sofre todos os dias pela irradiação do pensamento, como
recupera, por meio dos alimentos, as perdas do corpo material. É que, com
efeito, o pensamento é uma emissão que
ocasiona perda real de fluidos espirituais e, conseguintemente, de fluidos
materiais, de maneira tal que o homem precisa retemperar-se com os eflúvios que recebe do exterior” (grifos
meus). Notemos que esta passagem faz referência ao homem encarnado, porém, é do
espírito que Kardec está falando em primeiro lugar. A perda de fluidos
(energias) é do espírito/perispírito, ocasionando reflexo no corpo carnal. Kardec
escreve que, se o corpo físico recupera as energias através dos alimentos, o
espírito readquire suas energias dos eflúvios, vindo do exterior, através dos
poros perispiríticos como sugere esta passagem do mesmo capítulo Os Fluidos,
item 18, do Livro A Gênese: “Os meios onde
superabundam os maus Espíritos são, pois, impregnados de maus fluidos que o
encarnado absorve pelos poros perispiríticos, como absorve pelos poros do corpo
os miasmas pestilenciais”. Embora este trecho fale sobre os encarnados,
Kardec revela uma propriedade do corpo espiritual, que absorveria as energias
negativas de um ambiente ruim, isto faz crer que, poderia absorver elementos
positivos de uma atmosfera espiritual benéfica e superior para reparar
possíveis perdas, ou retemperar-se, usando as palavras de Kardec. Ora, qual
palavra nós poderíamos usar para recuperação/absorção de energias vindas do
exterior? Alimentação.
Alguém poderá alegar que esta
passagem de Kardec tem que ter outra interpretação, pois do contrário, estaria
em contradição com outros trechos das Obras Básicas, onde encontramos que os
espíritos não podem saciar sua fome, por exemplo: No livro O Céu e o Inferno em
Exprobrações de um Boêmio: “A influência da matéria segue-os além-túmulo,
sem que a morte lhes ponha termo aos apetites que a sua vista, tão limitada
como quando na Terra, procuram em vão os meios de os saciar”. Vejamos que a contradição é apenas aparente,
pois o trecho em questão se refere a espíritos ainda muito apegados as coisas
terrenas, desejando viver suas paixões como se encarnados estivessem, mas isto
é impossível. Porém a alimentação espiritual é algo mais sutil e não se compara
com alimentação terrena, deste modo, o que os espíritos inferiores não
conseguem saciar é a grosseria dos seus instintos, reviver as mesmas sensações
materiais de quando encarnados, e é isto que em vão tentam reproduzir, como
revela este trecho da Revista Espírita de novembro de 1860 em Conversas
Familiares de Além Túmulo: “Não
podendo comer, um Espírito material e sensual
se repasta da emanação dos alimentos; saboreia-os pelo olfato, como em vida o
fazia pelo paladar”. Notamos que
alimentação espiritual pelos poros do perispírito, ou por energias condensadas
em forma de frutas ou caldos é outro assunto.
Há aqueles que ainda poderão afirmar que
os espíritos não podem comer, pois não têm órgãos como o corpo físico.
Primeiramente devemos dizer que os espíritos também não têm olhos como os encarnados,
mas conseguem enxergar, por que sem estômago não poderiam comer? Vejamos que o
argumento dos espíritos não terem órgãos não se sustenta, lembremos também que
os espíritos não tem cérebro, mas pensam.
Outra objeção é baseada na questão 254 do Livro
Espíritos, que trata sobre a fadiga nos espíritos desencarnados: “Não podem sentir a fadiga, como a entendeis; conseguintemente, não precisam de descanso
corporal, como vós, pois que não possuem órgãos cujas forças devam ser
reparadas”. Na
Revista Espírita de abril de1859 em Quadro da Vida Espírita, também outro
trecho semelhante: “Há sensações que têm
sua fonte no próprio estado de nossos órgãos. Ora, as necessidades inerentes ao nosso corpo não podem ocorrer, desde
que o corpo não existe mais. O Espírito, portanto, não experimenta fadiga nem
necessidade de repouso ou de nutrição,
porque não tem nenhuma perda a reparar, como não é acometido por nenhuma de nossas enfermidades” (grifos meus).
Outra vez a contradição é apenas aparente.
Notemos que na questão 254 os espíritos utilizam a frase “como a
entendeis”, resposta semelhante à questão 200 do Livro dos Espíritos: Os
Espíritos tem sexo? R. Não como o entendeis. E é neste sentido que Kardec
escreve que os espíritos não se nutrem. Em outras palavras, os espíritos não se
nutrem com nós (encarnados) entendemos, não precisam descansar como entendemos
e não há nenhuma perda a reparar como nós entendemos, porém, nada obsta se
nutrirem espiritualmente, como é sugerido no livro A Gênese já citado.
Outra dúvida é se os espíritos podem mesmo
condensar as energias em forma de alimentos. Para quem tiver o trabalho de ler
com cuidado, o já citado, capítulo, Os Fluidos, agora no item 14, encontrará: “Pelo pensamento,
eles imprimem àqueles fluidos tal ou qual direção, os aglomeram, combinam ou dispersam, organizam com eles conjuntos
que apresentam uma aparência, uma forma, uma coloração determinadas; mudam-lhes
as propriedades, como um químico muda a dos gases ou de outros corpos, combinando-os
segundo certas lei. É a grande oficina ou laboratório da vida espiritual”. Este poder de manipulação pode ser visto também na
Revista Espírita de agosto de 1859 em “Um Espírito Serviçal”, onde uma criança
encarnada é curada por alimentos
espirituais: “Durante oito
dias eu mesmo a vi, parecendo sair do seu abatimento, adquirir uma expressão sorridente
e feliz, de olhos semicerrados, sem olhar para as pessoas que a cercavam,
estender a mão por meio de um gesto gracioso, como para receber alguma coisa,
levá-la à boca e comer; depois agradecer com um sorriso encantador. Durante
esses oito dias a criança foi sustentada por esse alimento invisível e seu
corpo readquiriu a aparência do frescor habitual”. É certo que no caso
específico, a alimentação espiritual serviu para curar o corpo físico da
menina, entretanto torna-se evidente a possibilidade dos espíritos em fazer
tais alimentos. Ora, Kardec mencionou
uma forma dos espíritos absorverem as energias da atmosfera espiritual, que seria
através dos poros perispiríticos, porém, é completamente admissível pensar que
este não seja o único meio utilizado pelos espíritos. A alimentação espiritual,
condensados energéticos em forma de frutas, caldos ou água deixa de ser absurda
pra se tornar viável, natural e lógica.
Outra objeção é porque então estes detalhes
não foram mencionados explicitamente pelos Espíritos na época da Codificação. Bem,
talvez a resposta seja mais simples do que imaginamos, pois se na época de
Kardec “nem tudo foi revelado” como
preceitua o capítulo Caráter da Revelação Espírita, no livro A Gênese, e como
nos ensina a introdução do Evangelho Segundo o Espiritismo, os Espíritos “não atacam as
grandes questões da Doutrina senão gradualmente, à medida que a inteligência se
mostra apta a compreender verdade de ordem mais elevada e quando as
circunstâncias se revelam propícias à emissão de uma ideia Nova” é fácil supor então, que certos detalhes da vida
espiritual teriam que ser desenvolvidos em época posterior.
Os espíritos se alimentam? Refazendo
a pergunta que dá título ao texto, responderemos: se ficarmos limitados à ideia
terrena ou biológica da nutrição a resposta será negativa. Os espíritos não
precisam se alimentar no sentido de reporem as energias para continuar vivos já
que são imortais. Porém, esta imortalidade não quer dizer autossuficiência. O único
ser que podemos afirmar com segurança, ser autossuficiente é Deus. Já os
espíritos encarnados ou desencarnados carecem de energias que contribuem para o
equilíbrio espiritual. Esta é a mensagem da Doutrina Espírita, o que faz que a
presença de alimentos no mundo dos espíritos não seja visto como algo tão
exótico como pode parecer inicialmente, fazendo com que os relatos existentes
em obras espíritas consagradas sejam na verdade, a confirmação dos princípios doutrinários
como: manipulação do Fluido Cósmico Universal pelos espíritos e absorção de energias
espirituais.
FAUSTO
FABIANO DA SILVA
BIBLIOGRAFIA
KARDEC, Allan. A Gênese. 1ed. Rio de Janeiro: Ed. León
Denis, 2008.
KARDEC,
Allan.
O Céu e o Inferno. 8 ed. Araras: Ed. IDE, 1995.
KARDEC, Allan. Revista Espírita. Novembro de 1860, Araras: Ed. IDE,1993.
KARDEC,
Allan. Revista Espírita. Agosto de 1859, Araras: Ed. IDE, 1993.
KARDEC, Allan. O Livro dos
Espíritos. 67 ed. São Paulo: Ed.
Lake, 2007.
KARDEC, Allan. Evangelho Segundo o Espiritismo. 85. ed. Rio de Janeiro: Ed. FEB,
1982.