A ORIGEM DIVINA E O PRINCÍPIO DA
CAUSALIDADE
(Publicado na Revista Internacional
de Espiritismo em dez. 2013)
A importância da questão
sobre a origem de Deus está ligada ao fato desta pergunta ser feita muitas
vezes. Aparece frequentemente como um desafio aos que creem, como se a resposta
não pudesse ser elaborada de maneira satisfatória.
Para responder a esta
indagação, vamos fazer outras perguntas, por exemplo: Deus tem uma extensão?
Uma altura? Um peso? Acontece que estas perguntas não fazem sentido para Deus.
Em outras palavras são perguntas que não podem ser feitas, pois servem para
explicar o universo material e não Deus, porque Deus é outra coisa. Como assim,
outra coisa? No Livro dos Espíritos,
questão 27, os Espíritos nos explicam que existe um princípio que abrange tudo
o que se chama realidade, a Trindade Universal, composto por Deus, os espíritos
e a matéria: “Deus, espírito e matéria constituem o princípio de tudo o que
existe, a trindade universal” apesar de estarmos, como pensou Kardec,
imersos na divindade[1], o
interessante é que Deus não se confunde com os espíritos muito menos com a
matéria, Sua natureza é outra. Os próprios Espíritos definiram Deus apenas
através de seus atributos e não pela sua essência: “Deus é a inteligência suprema e causa primária de todas as coisas” [2],
e a essência de Deus nos é interditada: “Pode
o homem compreender a natureza íntima de Deus”? Não...[3],
Kardec também escreveu: “Impotente para compreender a essência
mesma da Divindade, o homem não pode fazer dela mais do que uma ideia aproximativa,
mediante comparações necessariamente muito imperfeitas...” [4].
Fica claro então que não podemos entender a
essência de Deus, muito menos, querer desvendar este mistério usando princípios
que servem para compreendermos a nossa realidade. Desta maneira, a pergunta
inicial, de quem criou Deus, também não faz sentido, pois esta pergunta nos
remete a um princípio igualmente próprio do mundo criado, o princípio da
causalidade. Para Deus ter uma causa seria necessário que Ele fosse do nosso
mundo, mas então não seria Deus.
Para explicarmos melhor a
questão de Deus, não pertencer ao nosso mundo, vamos lembrar a Teoria do Big
Bang. Segundo esta teoria, não é somente a matéria/energia que teria começado a
existir aproximadamente a 13 bilhões de anos atrás, mas o próprio tempo.
Portanto, se Deus é a causa primária de todas as coisas, Ele deve estar fora do tempo e do espaço e não precisa
de causa, mais uma razão para a pergunta “quem criou Deus?” ser absurda. É
sugestivo o comentário de Kardec a pergunta 240 do Livro dos Espíritos: “Os Espíritos vivem fora do tempo como o compreendemos” o que se dirá então de
Deus.
Nós compreendemos então o
contra senso que é usar o princípio da causalidade para Deus, entretanto, a
causalidade pode perfeitamente ser usada para as coisas criadas, como o
universo, tanto é assim que o Espiritismo apoia-se neste princípio para dar
sustentação lógica a crença em Deus: “Num
axioma que aplicais às vossas ciências. Não
há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a
vossa razão responderá” [5].
Alguns inimigos das ideias
espíritas, não contentes em fazer a pergunta de quem criou Deus, na tentativa
de embaraçar os que Nele acreditam, tentam como alternativa, desqualificar o
próprio princípio da causalidade usando especulações advindas da Física
Quântica.
É sabido que alguns
fenômenos quânticos, ou seja, das partículas subatômicas, não podem ser entendidos, até o momento, em termos
de causa e efeito, preponderando à probabilística ou a incerteza. O comentário
do matemático Von Neumann[6] em 1932
continua atual: “Só em escala atômica,
nos processos elementares, que a questão da causalidade pode realmente ser
discutida; mas, nessa escala, no estado atual de nossos conhecimentos, tudo
está contra ela, porque a única teoria formal que se ajusta mais ou menos à
experiência é a mecânica quântica, e esta está em pleno conflito lógico com a
causalidade” [7].
Para respondermos ao grande
matemático vamos lembrar a conhecida causa material Aristotélica. Numa estátua
de bronze, a causa material é o próprio bronze, ou seja, a matéria que ela é
constituída. Em outras palavras, para aquela estátua existir é necessário o
bronze. Desta forma, para os fenômenos quânticos existirem é necessário haver
as partículas subatômicas, sem estas partículas não existiria nem a Física
Quântica e nem a realidade que nos é familiar. A grande questão é de onde vem o
bronze da estátua e não a imprevisibilidade quântica, imprevisibilidade esta
que reflete como bem disse Von Neumann, simplesmente o "estado
atual", portanto, passível de mudança do conhecimento humano. Além disto,
a Física Quântica está longe ainda de uma verdade definitiva sobre a realidade
e consequentemente sobre a causalidade, tanto é assim que Richard Feynman
(1918-1988) um dos físicos mais proeminentes do século 20 escreveu: “Eu acho
que posso dizer seguramente que ninguém entende a mecânica quântica. (...)” [8].
Mas vamos tentar responder da
onde vem o bronze da estátua, será que vêm dos átomos? De uma energia, outra
dimensão, universos paralelos, singularidades?[9], mas de
onde vêm estas coisas? Desta maneira, não importa o quanto distante formos ou
mirabolante for a teoria apresentada, nunca fugiremos da problemática da origem
última, já que o nada não pode produzir algo, pois se produzisse deixaria de
ser o nada, então uma causa última
geradora de tudo se impõe de maneira absoluta, como fica claro no Livro dos
Espíritos: Duvidar da existência de Deus
é negar que todo efeito tem uma causa e avançar que o nada pôde fazer alguma
coisa[10].
Vemos desta forma que o
famoso pensamento espírita: “Todo efeito
tem uma causa”. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. O poder da
causa inteligente está na razão da grandeza do efeito[11], nem sequer é arranhado em seu
fundamento lógico profundo, continuando completamente atual, para desespero dos
que desejam que a causalidade seja assunto ultrapassado.
FAUSTO
FABIANO DA SILVA
BIBLIOGRAFIA
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 67. ed. São Paulo: Ed. Lake, 2007.
KARDEC, Allan. A Gênese. Disponível em <http://www.febnet.org.br/ba/file/Obras%20B%C3%A1sicas/ge.pdf>
Acesso em 17 de setembro de 2013.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5.ed. São
Paulo: Ed. Martins Fontes, 2007.
OLIVEIRA,
Adilson. Onda ou Partícula? Uma questão de interpretação. Disponível em<http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/fisica-sem-misterio/onda-ou-particula-uma-questao-de-interpretacao> Acesso em
17 de setembro de 2013.
[1]
Allan Kardec escreveu no livro A Gênese, capítulo II, item 24: “a natureza
inteira mergulhada no fluido divino”.
[2]
Questão número 01 do Livro dos Espíritos
[3]
Questão número 10 do Livro dos Espíritos
[4]
Item 22, capítulo II do Livro A Gênese de Kardec.
[5]
Questão número 04 do Livro dos Espíritos.
[6]Von
Neumann é considerado um dos mais importantes matemáticos do século XX.
[7]Comentário
retirado do item “causalidade” do dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano.
[8] Frase de Richard Feynman encontrada no texto
“Onda ou Partícula? Uma questão de interpretação” do Físico Adilson de
Oliveira, professor da Universidade Federal de São Carlos.
[9]Em
cosmologia, singularidade é a região do espaço-tempo onde as leis da Física
atualmente conhecidas entram em colapso e as equações perdem o seu significado.
[10]
Idem ao item 05.
[11]Frase
encontrada no início dos 12 volumes da Revista Espírita correspondentes aos
anos de 1858 a 1869.