AS DESCRIÇÕES DO
MUNDO ESPIRITUAL
(Publicada
na Revista Internacional de Espiritismo de Jan. 2012)
Na introdução do Livro dos
Espíritos Allan Kardec escreve: “Os não
encarnados ou errantes não ocupam uma região determinada e circunscrita; estão
por toda parte no espaço e ao nosso lado, vendo-nos e acotovelando-nos de contínuo.”
Por isto, alguns espíritas acreditam que o além é “continuum”, ou seja, que
não existem dimensões que possam separar ocasionalmente, os espíritos um dos
outros, mas isto é um erro. Vejamos:
Apesar dos espíritos estarem
por toda parte, isto não vale para todos, pois há lugares interditados aos
inferiores como ilustra a questão 279 do Livro dos Espíritos: “As regiões,
porém, que os bons habitam estão interditadas
aos Espíritos imperfeitos...”. Podemos concluir então que, o que pode
separar as várias faixas evolutivas, não são apenas os planetas nos quais os
espíritos pertençam, pois no próprio espaço, existem gradações, como ilustra a
comunicação de um espírito (médico russo) neste trecho do livro O Céu e o
Inferno de Kardec: “Tudo que não seja planeta constitui o que
chamais Espaço e é neste que permaneço. O homem não pode, contudo, calcular,
fazer uma idéia, sequer, do número de gradações desta imensidade.” E na questão 278 do Livro dos Espíritos: “Os da mesma categoria se reúnem por uma espécie de afinidade e formam grupos
ou famílias...”
Regiões, gradações, grupos ou famílias, são palavras que nos levam a uma noção não homogênea de
Céu. Ou seja, os espíritos não ficariam a todo tempo misturados. Entretanto, a
ideia de céu espírita, nos diz que estas gradações ou regiões não seriam em
nada absolutas, como escreveu Kardec no Livro dos Espíritos: “A localização absoluta das regiões das penas
e das recompensas só na imaginação do homem existe”. Porém, estes grupos ou famílias poderiam
existir no espaço de maneira relativa, em algum lugar, enquanto fosse útil a
reunião destes ou para atender alguma finalidade, como de socorro aos recém
desencarnados.
Se for verdade que os espíritos se reúnam em
famílias no mundo espiritual, ou como dizem por afinidade, de alguma forma esta
realidade teria que passar de forma intuitiva aos encarnados, como preceitua a
lógica da questão 959 do Livro dos Espíritos: ”antes de encarnar, o Espírito conhecia todas essas coisas e a alma
conserva vaga lembrança do que sabe e do que viu no estado espiritual.”, e
é justamente isto que acontece.
A ideia intuitiva destas
grandes famílias espirituais, ou grupos de espíritos afins (bons ou maus)
talvez seja a origem de muitos mitos que dividem a realidade em Inferno, Terra
e Céu. Como podemos deduzir isto? Da constatação de que a ideia de vários
níveis espirituais é bastante antiga, como nos mostra o filósofo das religiões
Mircea Eliade, no livro Imagens e Símbolos:
“Temos motivos para crer que a imagem de três níveis cósmicos é bastante
arcaica; ela encontra-se, por exemplo, nos pigmeus Semang da península de
Malaca”. E também por estas idéias não serem exclusivas do Catolicismo, da
Idade Média ou mesmo do Mundo Ocidental, elas se encontram mesmo generalizadas,
como ilustra outra vez Mircea Elíade, na mesma obra citada anteriormente: “A Índia de Veda, a China antiga, a
mitologia germânica tal como as religiões «primitivas» conhecem, sob formas
diferentes, esta Árvore Cósmica, cujas raízes mergulham até aos Infernos e cujos ramos tocam o Céu. Nas mitologias centrais e norte -
asiáticas, os seus sete ou nove ramos simbolizam os 7 ou 9 níveis celestes, ou seja os sete céus planetários” (Grifos
meus).
Então, apesar destes mitos
arcaicos descreverem muitas vezes visões distorcidas da realidade, com penas
eternas, regiões rigidamente separadas uma das outras como o céu e o inferno na
tradição cristã e outras interpretações possíveis, não está aí uma intuição da
realidade espiritual?
Observamos que, juntamente com a
lógica Doutrinária, há um embasamento histórico na crença em grupos, ou
famílias reunidas por afinidade no plano espiritual quando trabalhamos com a
hipótese que a nossa vivência pregressa em muitos destes grupos, contribuiu
para a formação dos mais variados mitos sobre os “níveis celestiais”.
Entretanto, não são somente
os encarnados que nos falam de níveis cósmicos, às vezes, são os próprios
espíritos que nos revelam como seria estruturado o mundo dos espíritos.
Por exemplo, no livro psicografado, “Cartas de Uma Morta”, publicado em
1935 encontramos: “A terra é o centro, isto é, a sede de
grande número de esferas espirituais que a rodeiam de maneira concêntrica”. Como nas Obras
Básicas, não há menção que o mundo espiritual se estruture exatamente desta
forma, então, devemos entender que, muitas vezes, os espíritos nos falam sobre
coisas que estão limitadas as suas ou a nossa visão de mundo, ou como entendem
a realidade. Talvez isto decepcione os espíritas iniciantes, mas os espíritos
não têm posse de toda a verdade, senão gradualmente, conforme o grau evolutivo
a que pertençam. Assim, certas informações trazidas pelos espíritos, enquanto
não tiverem maior embasamento, podem ser consideradas apenas como hipóteses
mais ou menos prováveis.
Entretanto, muitas descrições
do mundo espiritual, não tratam de questões escatológicas, ou das estruturas profundas
do mundo espiritual, mas sim de coisas bem mais simples como flores, ruas e
edificações, elementos que certamente independem de interpretação. A percepção,
por exemplo, de um jardim no mundo dos espíritos, por ser um elemento
praticamente universal, seria prontamente reconhecido por qualquer um, em
qualquer época.
Desta forma, as descrições
do além, com elementos universais são bastante comuns como ilustra a tese de
doutorado de Fabio Luiz da Silva onde encontramos dois exemplos: Primeiro, numa
obra do século VII intitulada, a “Vida dos Santos Padres de Mérida”, onde podemos
encontrar o caso do menino Augusto, que ficando doente e de cama, teve algumas
visões do plano espiritual, entre as várias descrições achamos: “No
jardim havia uma corrente de água cristalina e ao longo desta corrente muitas
árvores e flores perfumadas
de muitas fragrâncias”. Segundo, já no século XII, Fábio nos
relata o caso das visões de Hildegarda de Bingen que nasceu em 1098, sua obra é
conhecida como “Scivias”, sobre
suas descrições temos os seguintes comentários: “Em uma de suas visões ela descreve uma
cidade quadrada, cercada por três muros, referência às três ordens da sociedade
medieval. Dentro destes muros ela mostra numerosos edifícios, igrejas,
palácios, colunas e casas comuns.”
Já na Revista Espírita de
abril de 1868 localizamos uma mensagem do espírito Makariosenagape do ano de 1798,
que relata assim, uma cena no mundo espiritual: “Enquanto assim falávamos a nós mesmos, subitamente uma forma graciosa
nos apareceu, saindo de um bosque
encantador, e nos saudou amigavelmente” (Grifo meu). Em 1913 no livro A Vida Além do Véu do REV. G. VALE OWEN, encontramos: “Nós
temos montes, rios, belas florestas e muitas casas.”. Na década de
1920, YVONNE A. PEREIRA, começava a receber
as mensagens do plano espiritual, que mais tarde ficaria conhecido como Memórias
de um Suicida, deste livro o trecho: “Imenso
parque ajardinado surpreendeu-nos para além dos marcos, enquanto amplos
edifícios se elevavam em locais aprazíveis...” ou também: “A cada um de nós foi servido delicioso
caldo, tépido, reconfortante, em pratos tão alvos quanto os lençóis...”. Em
1915 no livro Raymond: Uma Prova da Sobrevivência da Alma, de OLIVER LODGE:
“Eu vivo numa morada
(diz ele) construída de tijolos – e há árvores e flores, e o chão é sólido.” E ainda: “Ele diz que agora não tem necessidade de comer. Mas vê pessoas que a
têm”. No livro História do Espiritismo publicado em
1926 de ARTHUR CONAN DOYLE, há algumas mensagens interessantes como esta, sobre uma casa no mundo
espiritual: “É bonita; nunca
vi uma casa na Terra que se comparasse com ela. Tantas flores! – Um mundo de
cores em todas as direções; e tem perfumes tão maravilhosos, cada qual
diferente, mas tão agradáveis!”, ou esta, comentando sobre a alimentação
no mundo espiritual: “Não no vosso
sentido, mas muito mais fino. Tão amáveis essências e tão maravilhosos frutos,
além de outras coisas que não tendes na Terra!”. CAIRBAR SCHUTEL, em 1932, no
livro A Vida no Outro Mundo, encontramos:
"Muitos Espíritos que voltaram, descreveram suas casas e também outros
edifícios vistos. As casas para convalescentes tornam-se uma necessidade real,
como lugares de repouso para os que passaram pela morte e necessitam de
"tratamento", pois, freqüentemente, as tristezas e provações da vida
física deixam a sua impressão no perispírito”. Em 1944, CHICO XAVIER no livro Nosso Lar: “Grandes
árvores, pomares fartos e jardins deliciosos. Desenhavam-se montes coroados de
luz, em continuidade à planície onde a colônia repousava” ou também,
“A essa altura, serviram-me caldo reconfortante, seguido de água muito fresca,
que me pareceu portadora de fluidos divinos”.
Em 1993 no livro Violetas na Janela de VERA LÚCIA M. CARVALHO:
“Alimentava-me de frutas, pães e
caldos ou sopas de legumes. Gostei muito de todos os alimentos, tudo muito
saboroso e energético. A água cristalina é a maior fonte de energia”. E
Também: “Abri a janela, que surpresa
agradável! A vista dava para o pátio rodeado de árvores e flores.”
Do século VII ao XX quando
acabei os exemplos das descrições, são 14 séculos. No entanto, é surpreendente
a semelhança das descrições. Podemos apelar para explicar estas “coincidências’,
na caluniosa tese de plagio, mas se assim fosse, teríamos toda uma quadrilha de
plagiadores desde o ano 601 até os dias de hoje, o que me parece ridículo, além
do mais, a moralidade inquestionável dos envolvidos torna a hipótese de plágio
ainda mais absurda. Também é interessante dizer que os livros citados não
pertencem todos, a mesma editora, alguns inclusive são de língua original
estrangeira, o que dificultaria a ideia fantasiosa da alteração das mensagens
psicografadas.
Retirando a opinião pessoal,
ou a visão de mundo dos espíritos ou às vezes do próprio médium sobre
determinados aspectos da realidade, o que sobra é sempre a mesma coisa: rios,
plantas, árvores, pássaros, edificações, enfim, um plano espiritual que é cheio
de vida, e qualquer coisa em nós, diz, que não poderia ser diferente. Termino
este texto lembrando Arthur Conan Doyle que na introdução ao livro A Vida Além
do Véu escreveu: “Como poderia dar-se
essa concordância nas idéias gerais, se não fosse inspirada na verdade?”.
FAUSTO
FABIANO DA SILVA
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
CARVALHO, Vera Lúcia Marinzeck. Violetas na
Janela. São Paulo: Petit, 1993.
XAVIER,
Chico. Cartas de uma morta. Rio de
Janeiro: Ed. FEB, 1935.
CHICO, Xavier. Nosso Lar. 45. ed. Rio de Janeiro: Ed.
FEB, 1996.
DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo.
São Paulo: Pensamento, 2001.
ELIADE,
Mircea. Imagens e Símbolos. 768. ed.
Lisboa: Ed. Arcádia, 1979.
LODGE, Oliver. Raymond: Uma Prova de Sobrevivência da Alma. São Paulo: Edigraf,
1972.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 67. ed. São
Paulo: Ed. Lake, 2007.
KARDEC, Allan. Revista Espírita, abril de 1868.
Disponível em < http://www.febnet.org.br/site/ > Acesso em:
18 out. 2011.
KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Disponível em < http://www.febnet.org.br/site/> Acesso em
18 out. 2011.
OWEN, George
Vale. A Vida Além do Véu. 3. ed. Rio
de Janeiro: Ed. FEB, 1962.
PEREIRA,
Yvonne A. Memórias de um Suicida.
10. ed. Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1982.
SCHUTEL,
Cairbar. A Vida no Outro Mundo. 6.
ed. São Paulo: O Clarim, 1981.
SILVA,
Fábio Luiz da. Céu, Inferno e
Purgatório: Representações Espíritas do Além. 2007. Tese (Doutorado em
História) - Faculdade de Ciências e Letras de
Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista, Assis. 2007.
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