sábado, 5 de abril de 2014

A Ideia da Santidade Cristã



          A IDEIA DA SANTIDADE CRISTÃ


                                (Publicado na Revista Internacional de Espiritismo em dez. de 2010)

                   A Antropóloga Sandra Jacqueline Stoll no seu livro Espiritismo à Brasileira comenta sobre um modelo de santidade cristã, mais especificamente católico, que estaria ligado, por exemplo, a certos valores, como a virgindade, celibato, desapego e renúncia a bens materiais e a prática da caridade. Stoll percebendo a vivência destes valores em Chico Xavier caiu na tentação de ver nisto uma influência do Catolicismo, ainda mais, sabendo que Chico cresceu em ambiente católico e só no começo da idade adulta se tornou espírita. Mas esta conclusão de Stoll é no mínimo, problemática. Vejamos:
                   Do capítulo “A Ética da Santidade”, do livro de Stoll já citado, extraímos, referindo-se a Chico Xavier a seguinte frase: “Inspirado nesta tradição, com a qual foi familiarizado na infância, Chico Xavier recria sua história de vida”. Ora, Stoll dá a entender que Chico recria sua história inspirado na tradição cristã, mais precisamente católica, herdada da sua infância. Porém, esta interpretação está equivocada. Será que a influência do Catolicismo em Chico foi tão forte assim para ele recriar toda a sua história? E o Espiritismo, será que não teve nada a ver com isto? Será que não foi a própria Doutrina Espírita que lhe deu a inspiração para toda uma vida de amor ao próximo? Por acaso o Espiritismo não pode substanciar tal coisa? É claro que pode, com todas as letras, sim... Mil vezes sim. Mas Sandra Stoll, tentando provar a influência católica no movimento espírita, exagera, quando tenta explicar Chico Xavier por uma nostalgia católica da mocidade, ignorando as raízes que o Espiritismo pode ter deixado no pensamento de Chico, na sua vida adulta.
                  Podemos encontrar a mesma linha de pensamento de Stoll, por exemplo, num artigo seu publicado em 18/04/2010, no jornal O Estado de São Paulo, da onde retiramos a frase: “Baseado nos princípios e práticas do catolicismo, ele instaurou o que podemos chamar de uma “ética da santidade”, consolidada em torno da prática da caridade que exerceu por mais de 70 anos e outros valores monásticos, como a pobreza e a castidade”. É flagrante a precariedade dos argumentos de Stoll. Chico Xavier teria segundo a autora, instaurado uma ética da santidade influenciada é claro, por princípios católicos, consolidados na prática da caridade. Entretanto, quem disse que a prática da caridade tem sentido apenas na dimensão católica? Se eu faço caridade então sou católico? Ou tenho inspiração católica? É claro que não. O amor ao próximo sendo um dos postulados da Doutrina Espírita leva naturalmente a caridade e até, a critério pessoal de cada um, a opções como o celibato a castidade ou ao desprendimento das coisas materiais, como foi o caso de Chico.
                    No mesmo texto do Jornal O Estado de São Paulo mais uma frase de Stoll: “na busca de legitimação de sua autoridade acabou por reafirmar elementos simbólicos da identidade religiosa de origem, fortemente marcada por suas experiências de infância, vividas numa pequena cidade do interior de Minas Gerais”. Stoll afirma que Chico para legitimar sua autoridade, reafirmou elementos simbólicos de origem, ou seja, católicos, já que Chico cresceu neste ambiente religioso. Entretanto, o celibato, a virgindade, o desapego aos bens materiais, a renúncia de si mesmo em favor dos outros não são símbolos exclusivamente católicos, o mais lógico é pensar que o próprio Espiritismo pode dar a Chico Xavier, sustentação a tais coisas. Por exemplo, na questão 699 do Livro dos Espíritos, encontramos os espíritos comentando sobre o celibato quando este visa o bem da humanidade: “Todo sacrifício pessoal é meritório, quando feito para o bem. Quanto maior o sacrifício, tanto maior o mérito.”
                        Só porque o Espiritismo consagra como bons e verdadeiros certos valores, como o amor, perdão, caridade, renúncia, humildade e outros, encontrados naturalmente nas mais variadas tradições filosófico-religiosas, e não apenas na católica, não quer dizer que a Doutrina tenha tomado de empréstimo estes mesmos valores. O amor ao próximo, por exemplo, não foi simplesmente absorvido do catolicismo e nem introduzido no Espiritismo pelo cristianismo europeu, aconteceu algo diferente, foi o Espiritismo que confirmou a moral do Cristo como verdadeira. Assim, não é de se estranhar que Chico Xavier vivendo o amor ao próximo de Jesus, também presente no Catolicismo, tenha tornado sua vida similar a um modelo católico de santidade, mas similar não quer dizer por influência, pois o Espiritismo tem suas próprias razões de ser.
                 O Espiritismo, consagrando certos valores morais como universais e importantes para a evolução humana, e mais, ampliando a noção da realidade, com certeza, contribuiu muito mais em Chico Xavier que uma suposta influência católica da mocidade, e apelar para este tipo de tese,  é estar acorrentado na caverna de Platão, é ver apenas as sombras que passam...
                 
FAUSTO FABIANO DA SILVA



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

                
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 67 ed. São Paulo: Lake, 2007.

STOLL, Sandra Jacqueline. A Ética da Santidade. In: Espiritismo à brasileira. 1°. ed. São Paulo: Edusp, 2003.

STOLL, Sandra Jacqueline. Chico Xavier: O Sincretismo Além do Filme. O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 abril. 2010. p. J6.


                   

                  




                   

Nenhum comentário:

Postar um comentário