A IDEIA DA SANTIDADE CRISTÃ
(Publicado
na Revista Internacional de Espiritismo em dez. de 2010)
A
Antropóloga Sandra Jacqueline Stoll no seu livro Espiritismo à Brasileira
comenta sobre um modelo de santidade cristã, mais especificamente católico, que
estaria ligado, por exemplo, a certos valores, como a virgindade, celibato,
desapego e renúncia a bens materiais e a prática da caridade. Stoll percebendo
a vivência destes valores em Chico Xavier caiu na tentação de ver nisto uma
influência do Catolicismo, ainda mais, sabendo que Chico cresceu em ambiente
católico e só no começo da idade adulta se tornou espírita. Mas esta conclusão
de Stoll é no mínimo, problemática. Vejamos:
Do capítulo “A Ética da
Santidade”, do livro de Stoll já citado, extraímos, referindo-se a Chico Xavier
a seguinte frase: “Inspirado nesta tradição, com a qual foi familiarizado na
infância, Chico Xavier recria sua história de vida”. Ora, Stoll dá a entender
que Chico recria sua história inspirado na tradição cristã, mais precisamente
católica, herdada da sua infância. Porém, esta interpretação está equivocada. Será
que a influência do Catolicismo em Chico foi tão forte assim para ele recriar
toda a sua história? E o Espiritismo, será que não teve nada a ver com isto?
Será que não foi a própria Doutrina Espírita que lhe deu a inspiração para toda
uma vida de amor ao próximo? Por acaso o Espiritismo não pode substanciar tal
coisa? É claro que pode, com todas as letras, sim... Mil vezes sim. Mas Sandra
Stoll, tentando provar a influência católica no movimento espírita, exagera,
quando tenta explicar Chico Xavier por uma nostalgia católica da mocidade, ignorando
as raízes que o Espiritismo pode ter deixado no pensamento de Chico, na sua
vida adulta.
Podemos encontrar a mesma
linha de pensamento de Stoll, por exemplo, num artigo seu publicado em
18/04/2010, no jornal O Estado de São Paulo, da onde retiramos a frase: “Baseado
nos princípios e práticas do catolicismo, ele instaurou o que podemos chamar de
uma “ética da santidade”, consolidada em torno da prática da caridade que
exerceu por mais de 70 anos e outros valores monásticos, como a pobreza e a
castidade”. É flagrante a precariedade dos argumentos de Stoll. Chico Xavier
teria segundo a autora, instaurado uma ética da santidade influenciada é claro,
por princípios católicos, consolidados na prática da caridade. Entretanto, quem
disse que a prática da caridade tem sentido apenas na dimensão católica? Se eu
faço caridade então sou católico? Ou tenho inspiração católica? É claro que
não. O amor ao próximo sendo um dos
postulados da Doutrina Espírita leva naturalmente a caridade e até, a
critério pessoal de cada um, a opções como o celibato a castidade ou ao desprendimento
das coisas materiais, como foi o caso de Chico.
No mesmo texto do Jornal O
Estado de São Paulo mais uma frase de Stoll: “na busca de legitimação de sua
autoridade acabou por reafirmar elementos simbólicos da identidade religiosa de
origem, fortemente marcada por suas experiências de infância, vividas numa
pequena cidade do interior de Minas Gerais”. Stoll afirma que Chico para
legitimar sua autoridade, reafirmou elementos simbólicos de origem, ou seja,
católicos, já que Chico cresceu neste ambiente religioso. Entretanto, o
celibato, a virgindade, o desapego aos bens materiais, a renúncia de si mesmo
em favor dos outros não são símbolos exclusivamente católicos, o mais lógico é
pensar que o próprio Espiritismo pode dar a Chico Xavier, sustentação a tais
coisas. Por exemplo, na questão 699 do Livro dos Espíritos, encontramos os
espíritos comentando sobre o celibato quando este visa o bem da humanidade:
“Todo sacrifício pessoal é meritório, quando feito para o bem. Quanto maior o
sacrifício, tanto maior o mérito.”
Só porque o Espiritismo consagra
como bons e verdadeiros certos valores, como o amor, perdão, caridade,
renúncia, humildade e outros, encontrados naturalmente nas mais variadas
tradições filosófico-religiosas, e não apenas na católica, não quer dizer que a
Doutrina tenha tomado de empréstimo estes mesmos valores. O amor ao próximo,
por exemplo, não foi simplesmente absorvido do catolicismo e nem introduzido no
Espiritismo pelo cristianismo europeu, aconteceu algo diferente, foi o Espiritismo
que confirmou a moral do Cristo como verdadeira. Assim, não é de se estranhar
que Chico Xavier vivendo o amor ao próximo de Jesus, também presente no
Catolicismo, tenha tornado sua vida similar a um modelo católico de santidade,
mas similar não quer dizer por influência, pois o Espiritismo tem suas próprias
razões de ser.
O Espiritismo, consagrando certos
valores morais como universais e importantes para a evolução humana, e mais,
ampliando a noção da realidade, com certeza, contribuiu muito mais em Chico
Xavier que uma suposta influência católica da mocidade, e apelar para este tipo
de tese, é estar acorrentado na caverna
de Platão, é ver apenas as sombras que passam...
FAUSTO FABIANO DA
SILVA
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 67 ed. São
Paulo: Lake, 2007.
STOLL, Sandra
Jacqueline. A Ética da Santidade. In:
Espiritismo à brasileira. 1°. ed. São Paulo: Edusp, 2003.
STOLL, Sandra
Jacqueline. Chico
Xavier: O Sincretismo Além do Filme. O Estado de
São Paulo, São
Paulo, 18 abril.
2010. p. J6.
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