sábado, 5 de abril de 2014

A Religiao e a Questão Etimológica




A RELIGIÃO E A QUESTÃO ETIMOLÓGICA

(Publicado na Revista Internacional de Espiritismo em outubro de 2010)
        
                  Há várias propostas para a procedência da palavra religião, entre elas a de Lactâncio (240 d.c - 320 d.c) autor cristão, que afirma que o termo vem de religare, religar, argumentando que a religião serve para religar os seres humanos a Deus.
                 Podemos usar esta proposta para afirmar que a Doutrina Espírita tem um elemento religioso ou seja, o de religar a criatura ao seu Criador, já que a crença em Deus é um dos postulados da Doutrina.
                  A crítica que  pode ser feita a esta interpretação, levando em conta a Doutrina Espírita, é que nós nunca fomos desligados de Deus para termos que, em algum momento, ligar-nos novamente.
                  A crítica em questão, é correta, entretanto, tem um ponto fraco importante, que é aceitar a palavra “religar” apenas no sentido literal que ela tenha, ou seja, ao “pé da letra”. E aceitar as coisas ao “pé da letra”, está mais próximo de um discurso religioso fundamentalista, que filosófico. Sem perceber, quem acredita apenas no lado científico-filosófico da Doutrina Espírita e faz tal crítica, cai em contradição, usando um discurso que justamente quer combater, pois o pensamento filosófico teria que ser o primeiro a destacar o sentido mais amplo das palavras.
                   É evidente que a palavra religar tem um lado simbólico, mais profundo. Assim, quando agimos de maneira incorreta, quando optamos por uma vida oposta aquela que Deus quer para nós, quando não suportamos o absurdo que a vida pode tornar-se e a fazemos sem sentido apelando para o suicídio, por exemplo, cuja gênese é muito bem expressa pelo escritor e filósofo Albert Camus em seu livro O Mito de Sísifo: “Um gesto como este se prepara no silêncio do coração” é como se nos desligássemos do objetivo para qual Deus nos criou, é como se nós expulsássemos Deus da nossa alma. Sobre esta ausência, temos as palavras do autor espírita Hermínio C. Miranda:
 ...resta, porém, um problema: com o que preencher aquela vastidão  íntima que, de repente, parece desértica, árida, morta e empenhada apenas em repetir os ecos de nossa inesperada solidão? Subitamente ficamos sem lastro, como que soltos no tempo e no espaço, sem rumo e sem retorno, livres, sim, de ir para onde quisermos, mas para onde mesmo queremos ir? Livres para fazer o que muito bem entendermos, mas o que é mesmo que estamos pretendendo fazer? O que fazer da "liberdade" recém-adquirida? E será que estávamos presos a alguma coisa antes? Ou era apenas a birra ingênua da criança que, solta das mãos da mãe, dá meia dúzia de passos incertos, apenas para saborear uma liberdade que não pode e não sabe como usar e nem para que a deseja?
                  Nós não somos obrigados a usar ou entender as palavras apenas no seu sentido literal (dos dicionários). Fica claro que a palavra “silêncio”, usada por Albert Camus, por exemplo, diz muito mais que a falta de sons, é ausência de tantas coisas e tantas outras podem lhe dizer respeito: solidão, angústia, desamparo, vazio. Palavras que juntas podem ser sinônimo de desespero ou uma grande e vasta solidão da alma, lembrando Hermínio C. Miranda. Assim, quando a alma cansada procura uma alternativa para sua angústia e a encontra em Deus, não existe termo ou palavra mais significativa do que religar, que é ligar-se outra vez a proposta que o Criador tem para cada um de nós.
                  Como se vê, é perfeitamente possível defender o aspecto religioso da Doutrina Espírita tendo por base a etimologia, independentemente de qualquer processo histórico que tenha ocorrido do movimento espírita, influência de alguém carismático, ou de um órgão unificador, e muito mais independente ainda de qualquer “necessidade de religião”.
        
                
    FAUSTO FABIANO DA SILVA         
                                                       

REFERÊNCIAS:

MIRANDA, Hermínio C. Espaço para Deus. Disponível em < http://espirito.org.br/portal/artigos/diversos/religiao/espaco-para-deus.html > Acesso em 20 agosto 2010.

CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo: ensaio sobre o absurdo. Lisboa: Ed. Lisboa: Livros do Brasil, s/d.

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