Para
viver um grande amor...
(publicado na Revista Internacional de Espiritismo em abril de 2018)
(publicado na Revista Internacional de Espiritismo em abril de 2018)
“No
mês de fevereiro de 1846 eu viajava pela França. Chegando a uma rica e grande
cidade, fui dar um passeio em frente às belas lojas de que está repleta.
Começou a chover; abriguei-me numa elegante galeria; de repente fiquei imóvel;
meus olhos não conseguiam desviar-se da figura de uma jovem, sozinha atrás de uma
vitrina de jóias. Conquanto muito bela, não foi sua beleza que me fascinou. Não
sei que interesse misterioso, que laço inexplicável dominava e prendia todo o
meu ser. Era uma simpatia súbita e profunda, sem qualquer conotação sensual,
mas de uma força irresistível...” (1). Embora a descrição acima não precise
acontecer necessariamente, em todas as uniões que se tornam felizes (2), não
está descartado o desejo, pela maioria das pessoas, de um dia viver um encontro
com esta natureza: profundo e arrebatador.
Se a
maioria deseja um amor assim, a verdade é que nem todos o viverão. Pelo menos
na atual encarnação. E por quê? Por que a maioria de nós quer ardentemente ser
amado, mas será que estamos dispostos a amar com a mesma intensidade? Queremos
alguém que nos faça feliz, no entanto, a crise se inicia quando é preciso
renunciar esta felicidade, às vezes, para que o outro também o seja. Queremos
que o outro atenda nossas expectativas em todas as fazes do casamento, mas às
vezes, estas expectativas são altas demais, impossíveis de serem alcançadas,
exigimos do outro uma pessoa que ele não pode ser. Compreendemos com facilidade o que o outro tem
que mudar para que a nossa felicidade seja possível, mas tenho grande
dificuldade para ver aquilo que também tem que ser mudado em mim. Por isto e
por muitas outras coisas, o conto de fadas muitas vezes, acaba na dura
realidade do dia a dia. O amor é sufocado sob os escombros das dificuldades
financeiras, na rotina, na vida sexual insatisfatória, nas frustrações
pessoais, numa vida que queríamos ter, mas não temos. Por isto, casamentos
felizes de inicio, acabam com trocas de farpas, agressões verbais, onde cada um
não suporta mais o outro ou o contexto difícil em que o casamento está
inserido. No entanto, o grande amor ainda é possível.
A noção que teremos ainda muitas vidas na
Terra, ou em outros mundos espalhados pelo Universo, nos revela que a
dificuldade que pode existir para o encontro amoroso ou para a sua continuidade
não é e nunca vai ser um problema definitivo. Precisamos saber, porém, que os problemas
e impedimentos não desaparecerão por encanto, pois na maioria das vezes,
guardam raízes no desenvolvimento moral e intelectual do espírito. A felicidade
conjugal que é duradoura tem intima relação ou mesmo é diretamente proporcional
a um padrão elevado de moralidade, pois o amor mútuo, para resistir às lutas diárias
e aos desafios do tempo, deve se expressar, por exemplo: na compreensão, na
renúncia e no perdão de um para com o outro. Já a inferioridade moral atrapalha
qualquer pretensão de felicidade ou mesmo inviabiliza o casamento quando as
provas aparecerem e as tempestades surgirem ameaçadoras.
Conheço
casamentos onde a esposa foi abandonada literalmente ou emocionalmente pelo
desenvolvimento da rejeição e da indiferença após desenvolveram doenças graves
ou por não serem tão atraentes como antes. Casamentos floridos e rosados,
porém, que não se sustentaram na criação de filhos especiais, exigindo dos pais
uma dedicação e amor que nem sempre as pessoas estão dispostas a oferecer. Casamentos
recheados de promessas, mas com a introdução nefasta das drogas, o abandono dos
filhos, o adultério e às vezes a morte. Casamentos que poderiam ter sido felizes,
mas pelo comportamento sexual desregrado, sem controle e promíscuo de um dos
parceiros, a separação inevitável.
Não podemos esquecer que aquilo que fazemos
gera conseqüências futuras, as dívidas morais contraídas com nosso próximo sejam
esposa, esposo, filhos ou pais, aparecerá cedo ou mais tarde, exigindo de nós a
reparação na forma de experiências difíceis na Terra. Desta maneira, podemos
entender os casamentos como a união do passado espiritual de duas pessoas. Como vai ser este casamento? Vai depender
outra vez, do livre arbítrio de cada um, da vontade real de serem felizes
juntos, apesar das dificuldades que vão aparecendo. Da superação das tendências
espirituais negativas sutis ou não, que carregamos de outras existências. A
possibilidade de vivenciarmos um grande amor no futuro, depende muito de nosso
posicionamento atual, pois a atualidade será o passado de amanhã, o que
plantamos gerará frutos, o que fizermos a nós mesmos e aos outros, influenciará
na felicidade futura que vamos desejar ter com alguém.
Se
quisermos viver algum dia um grande amor, o caminho é sem dúvida o da própria
construção pessoal. O aprimoramento espiritual nos leva ao equilíbrio e a calma
interior, sem a necessidade de sair correndo desesperado atrás de ninguém. Há
pessoas que não suportam ficar sozinhas, acabam um relacionamento e já entram
irrefletidamente em outro, como aquela mãe solteira que diz: “não consigo ficar
sem homem”, acaba engravidando seguidas vezes de companheiros diferentes. Da
onde vem esta profunda carência? Esta solidão? Ora, às vezes, comportamentos psicológicos
a serem trabalhados ou superados guardam raízes não somente no passado atual,
mas em outras existências.
Lembro-me de uma história real
de um homem casado com filhos que se viciou em drogas. Por certo tempo, sua
mulher agüentou, porém, como não houve melhoras, esta mulher acabou tendo
relacionamentos fora do casamento, largando os filhos para parentes cuidarem. Penso
no futuro deste casal. Este homem, por exemplo, quem sabe, em vida futura, se perguntará
como popularmente se diz, onde está a minha metade da laranja? A tampa da minha
panela? Desejará ser amado, ter uma mulher atraente e virtuosa, ser também rico
e com sucesso profissional, sendo feliz para sempre, entretanto eu pergunto: e
as dívidas morais contraídas com seus filhos e esposa na reencarnação passada?
O abandono da sua missão de pai pelo uso das drogas, não lhe acarretará consequências?
Ora, qualquer felicidade almejada dentro ou fora do casamento em futuras reencarnações,
será maculada, pois os fantasmas das dívidas morais vão acabar aparecendo de
muitas formas. Complexos de inferioridade, de rejeição, sentimento de solidão
freqüente, agonias indefinidas, comportamento na vida sexual que clamam por
reeducação ou abstinência, agressividade, entre tantas outras coisas farão
parte desta pessoa, eclodindo cedo ou mais tarde na vida dos futuros consórcios
matrimoniais, interferindo na felicidade dos cônjuges. Além disso, a
possibilidade de reencontrar aqueles filhos ou mesmo a antiga esposa na forma
de parentes de difícil convivência é bem grande, pois o amor terá que nascer
onde foi semeada a indiferença e a amargura.
Não devemos esquecer também,
que o casamento, pode contar com a visita espiritual de seres que podem não ter
nos perdoado de algo ruim que fizemos ou simplesmente se aproximarão por que nossa
felicidade é do desagrado deles. Seres espirituais inferiores e infelizes,
desejarão e trabalharão no sentido de sermos igualmente infelizes. Por isto,
quanto mais evoluídos e comprometidos seriamente com uma nova forma de viver,
com os valores do bem, menos influências espirituais negativas teremos bem como
menores serão as dívidas morais que levaremos para outras vidas, e o amor
conjugal estará mais livre para se expressar, para existir sem manchas, no
encontro entre duas almas simpáticas pela primeira vez ou no encontro entre almas
já conhecidas, agora mais maduras, experientes, mais sensíveis e amorosas,
dispostas a não cometerem os mesmos erros do passado, com uma inclinação
espontânea para viverem enfim, o
verdadeiro e o grande amor...
(1) Revista
Espírita de outubro 1864 em Transmissão do Pensamento.
(2) Ler a questão 939 do Livro dos Espíritos: “em
muitas uniões, que a princípio parecem destinadas a nunca ser simpáticas,
acabam os que as constituíram, depois de se haverem estudado bem e de bem se
conhecerem, por votar-se, reciprocamente, duradouro e terno amor, porque
assente na estima...”
Fausto
Fabiano da Silva
Bibliografia
KARDEC,
Allan. Revista Espírita, outubro de
1864.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 67.
ed. São Paulo: Ed. Lake, 2007.
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