sexta-feira, 1 de novembro de 2019


                                    O mundo invisível na literatura de fantasia
                        (publicado na Revista Internacional de Espiritismo em nov.2019)


                 Este estudo pretende revelar a sutil sobrevivência, na memória do espírito encarnado, das coisas que ele viu, ouviu, ou mesmo sentiu, de quando esteve no mundo espiritual (1) e a contribuição desta memória na construção das obras literárias de fantasia (2). Para isto, começaremos com as palavras do próprio Kardec: “Os contos de fadas estão sem dúvida cheios de coisas absurdas. Mas não seriam eles, em alguns pontos, a pintura do que se passa no mundo dos Espíritos?” (3).
                   Podemos teorizar o porquê de Kardec ter escolhido o conto de fadas como exemplo de literatura que tivesse elementos ou princípios existentes na pátria espiritual. A literatura de fantasia, sendo ficção, não seria compreendida como ameaça à mentalidade da época. Dificilmente haveria queimas de livros de contos de fadas, em praça pública, como ocorreu com o Livro dos Espíritos (4), estando os autores por isto, mais livres para usar sua criatividade, sua imaginação, abrindo-se então um canal onde a intuição profunda das coisas espirituais pudesse se manifestar mesmo inconscientemente.
                   Mas será possível encontrarmos alguma coisa, que se passa na vida após a morte, na literatura de fantasia? Sim é possível.  Vejamos alguns exemplos.
                      Mudança da matéria.  Na literatura, alguns personagens mágicos, como bruxas, fadas, magos ou gênios, podem alterar ou transformar a forma das coisas materiais, como uma abóbora numa carruagem, ou seja, produzir coisas a partir de outras. Para nós, é o princípio que se esconde atrás destas fantasias que importa.  E este princípio diz respeito ao poder da manipulação da matéria pelos espíritos desencarnados. Lemos no do Livro dos Médiuns: “o Espírito tem sobre os elementos materiais espalhados por toda a parte no espaço, na vossa atmosfera, um poder que estais longe de suspeitar. Ele pode, à sua vontade, concentrar estes elementos e lhes dar a forma aparente própria aos seus projetos” (5).
                    A simbologia luz e trevas. De uma maneira geral, nas histórias, o mal combina com a escuridão e o bem com a luz. Devemos nos perguntar, se isto se dá somente por questões psicológicas ou culturais, ou se existe o apoio da memória do espírito que se revela por uma espécie de intuição das realidades espirituais.
                   No livro de Kardec, O Céu e o Inferno, descobrimos o seguinte relato de regiões bastante adiantadas no mundo dos espíritos:  Pode-se entrever, no infinito incomensurável, as regiões resplandecentes do fogo divino, chegando-se mesmo a ofuscar-se ao contemplá-las através do véu que ainda as envolve (6). Notemos que a palavra “fogo” e “resplandecente” lembram luminosidade, energia. Ora, se é assim para as regiões com espíritos mais evoluídos, o contrário também é verdadeiro. Outra vez, no livro, O Céu e o Inferno, temos agora o relato de um espírito sofredor:  formas sombrias e desoladas, mergulhadas umas em tedioso desespero; furiosas ou irônicas outras, deslizavam em torno de mim...” (7). Os próprios espíritos podem também apresentar uma irradiação com coloração. Na questão 88 do Livro dos Espíritos lemos: Para vós, ela varia do escuro ao brilho do rubi, de acordo com a menor ou maior pureza do Espírito.   Concluímos então que a simbologia luz e trevas pode ter sido construída com o auxílio de uma memória intuitiva conseguida através das experiencias vividas pelo espírito desencarnado quando ele viu ocasionalmente almas  iluminadas e outras  em sofrimento.
                   A oposição entre o belo e o feio. Normalmente temos como certo que a maldade tem relação com a feiúra e o medo. Por isto, é natural o personagem maléfico ter algo de assustador. Já a criatura do bem dificilmente será horripilante e pavorosa. Mas será esta intuição apenas fruto de nossa imaginação? Provavelmente não, pois guarda similaridade na realidade do mundo dos espíritos. Kardec escreve: “Os Espíritos superiores têm uma figura bela, nobre e serena; os mais inferiores, alguma coisa de selvagem e de bestial...” (8).
                  O poder de voar: Através do Espiritismo sabemos que os espíritos de uma maneira geral, não ficam presos ao solo terreno com os encarnados. Nós praticamente rastejamos se nos compararmos aos desencarnados. A liberdade que os espíritos gozam de ir e vir, dependendo da evolução do espírito, a capacidade de flutuar, percorrendo os espaços é fantástica.  Na questão 89 do Livro dos Espíritos lemos: Os Espíritos gastam algum tempo para atravessar o espaço? R: Sim; mas rápido como o pensamento”.   O livro, O Céu e o inferno, contém a seguinte descrição do espírito Joseph Maître que cita espíritos pairando do espaço:  “...ao entrever as claridades celestes, distinguindo os Espíritos que me rodeavam, sorrindo, benévolos, bem como aqueles que, radiosos, flutuavam no Espaço”.
                Não é estranho, portanto que na literatura de fantasia haja personagens que voam. O ser humano encarnado, preso a um corpo limitado de carne e osso, guardaria uma nostalgia indefinida, um desejo intenso pela liberdade que momentaneamente não desfruta. Não podendo voar, cria, através de sua imaginação, personagens que tem esta capacidade.
                  Durante todo o tempo da história da humanidade a imaginação não ficou dentro das quatro paredes da vida rotineira e comum dos homens, ela sempre deu um jeito de se inclinar para a dimensão da fantasia. Por que será? Porque a dimensão humana material não consegue definir tudo aquilo que nós somos, em outras palavras, a matéria é incapaz de definir a natureza profunda do ser humano.  Há algo em nós que recusa uma dimensão inteiramente material, justamente porque não somos somente matéria. Ora, as expressões do ser humano nas Artes e na Literatura são expressões também do seu espírito imortal.



(01)      Ler questão 959 do Livro dos Espíritos: Donde nasce para o homem o sentimento instintivo da vida futura? R: Já o dissemos, antes de encarnar, o Espírito conhecia todas essas coisas e a alma conserva uma vaga lembrança do que sabe e do que viu no estado espiritual.
(02)      Fantasia é um gênero da ficção em que se usa geralmente fenômenos sobrenaturais, mágicos e outros como um elemento primário do enredo, tema ou configuração.
(03)      No Livro O Céu e o Inferno em Espíritos Felizes, Sanson.
(04)      Em 09 de outubro de 1861 em Barcelona na Espanha, às 10 horas e 30 minutos, foram queimados, por ordem do bispo local, trezentos livros que tratavam do Espiritismo, entre eles o Livro dos Espíritos. Ler Revista Espírita de novembro de 1861 em Resquícios da Idade Média.
(05)    Ler Livro dos Médiuns, capítulo VIII, item 128.
(06)    Ler Livro O Céu e o Inferno em Um Médico Russo.
(07)    Ler Livro O Céu e o Inferno na descrição do espírito Novel.
(08)    Ler  Livro dos Médiuns, capítulo VI, Item 102.



Fausto Fabiano da Silva

Bibliografia
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. ed. São Paulo: Ed.  FEESP, 1995.
KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. 10ª ed. São Paulo: Ed. LAKE, 2002.
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 1ª ed. Rio de Janeiro: Ed. CELD, 2010.
KARDEC, Allan. Revista Espírita. Novembro de 1861, Araras: Ed. IDE, 1993.


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