sexta-feira, 30 de agosto de 2019



                                               Uma Conversa em Particular
                              (publicada no jornal espírita O Clarim de abril de 2019)



                   Em rua de um bairro de periferia, um pequeno caminhão carregava nossa mudança.  Eram pertences comuns a todas as famílias: estrado de cama, fogão, geladeira, sofá, entre outras coisas. Ao chegarmos, descemos do caminhão, fomos abrir as portas da nova casa, porém, o motorista, aproveitando-se de nossa ausência, ligou o motor e foi embora, com tudo que era nosso. De uma hora para outra ficamos sem nada. Uma casa vazia, e as roupas do corpo.
                   Tive este sonho há muitos anos atrás. Percebo hoje, que era um aviso da espiritualidade, para as coisas que estariam por vir. Para que me preparasse, para que não me revoltasse. Não há dúvida que era um sonho que indicaria uma grande prova, uma dificuldade que teria inevitavelmente que trilhar (01). Alguns anos se passaram, e tive outro sonho. Agora, eu e minha esposa estávamos numa floresta quando avistamos uma grande clareira iluminada pelo sol, ao tentarmos adentrar na clareira, notamos que havia apenas um caminho, completamente cheio de espinhos. Linguagem simbólica mais clara que isto impossível.  Em outra ocasião tive um sonho que alguém me dizia segurando minha mão: não ponha tua felicidade nas coisas materiais, então eu caia em pranto. Sabem de uma coisa? O meu coração diz que não foi só um sonho, foi um recado, outra vez um aviso (02).
                     Mas não pensem que a espiritualidade se manifestou apenas em sonhos. Os espíritos do bem, os espíritos protetores, podem usar diversos canais de comunicação.  Foi assim que, certa vez, foram orar em minha casa amigos que são evangélicos e um deles discretamente me disse: não se desespere. Na hora não entendi, achei exagerada a colocação, mas hoje penso diferente, pois tive várias ocasiões para entrar em desespero.
                    Foram muitos outros avisos e recados, certamente muito mais do que merecia. E a grande prova finalmente chegou.  Por conta disto, por algum tempo, me tornei um jogador de loterias compulsivo, tentando eu mesmo, tirar minha família da situação difícil que se encontrava. Mas nunca tive qualquer êxito. A idéia de depender exclusivamente de Deus me assustava muito. Mas digo, às vezes, é isso que vai acontecer. Há problemas do ponto de vista humano, de difícil solução. Não haverá para onde correr, ninguém para ajudar naquele momento. Apenas Deus e seus mensageiros. Apenas restará se resignar à vontade do Pai.
                     Mas o que me chama atenção em todos estes avisos é que não estamos sozinhos. Nossa vida está sendo acompanhada pela espiritualidade, e é bom saber disto, porque algumas vezes, acreditamos estar completamente esquecidos. (03)
                     Mais uma prova deste acompanhamento amoroso e sutil, por parte dos espíritos do bem, foi, com bastante antecedência, me alertar sobre os perigos do suicídio. Com frequência caía em minhas mãos mensagens espíritas sobre este tema.  Pensava ser uma coincidência, que isto não tinha relação comigo. Estava enganado, pois, no futuro, esta idéia iria passar, sim, pela minha cabeça. Em certa ocasião, tentei até elaborar uma estratégia racional pra justificar tal ato. Pensei, se eu tirar a própria vida, meus filhos não terão mais que conviver com o pai fracassado que eu tinha me tornado. Contudo, imediatamente começava a imaginar as provas ainda mais difíceis em outras reencarnações (04) a dor que minha ausência iria ocasionar em meus filhos, em minha esposa. Então, afastava com todas as minhas forças tais idéias. Ainda bem.
                     Não é fácil falar sobre isto. Confessar que nem sempre somos fortes. Haverá julgamentos, os outros nos olharão nem sempre com compreensão. Alguns dirão: é culpa do Espiritismo que você abraçou, se você fosse evangélico não estaria passando por isto, se fosse católico também não. Outros ainda, agirão com indiferença ou desprezo.
                    Sempre li livros espíritas, principalmente na adolescência. Ficava admirado com as grandes superações morais, com as descrições de espíritos iluminados que em prece irradiavam luz de várias formas, sonhava com mundos mais evoluídos que um dia poderia frequentar. A evolução, aberta para todos, me indicava que inclusive eu, tão imperfeito, também poderia estar entre aqueles espíritos, um dia. No entanto, esta fé, acredito, teria que criar raízes mais profundas, ser regada pelas minhas próprias lágrimas, crescer pela experiência real com Deus. E como isto é difícil, porém não é impossível.
                      Este texto é um exemplo disto. Penso nada poder fazer agora para resolver meus problemas. Estou com as mãos atadas. Os caminhos foram inteiramente fechados. Então o que vou fazer? Esperar em Deus e orar. Mas o que mais? Poderei escrever um texto narrando o que estou passado, um texto inspirador que reconforte talvez outras vidas.  Então, se frustraram aqueles desencarnados ou encarnados que esperavam minha queda certa. Frustrou-se meu lado sombrio que ameaçava se estabelecer em meu ser. E saíram vitoriosos, caro leitor, antigos sonhos de adolescência onde o bem e o amor sempre acabam vencendo no final...
         

01-    Alguns pensam que não podem intervir nas provas do próximo com a justificativa de, caso o fizessem, iriam atrapalhar o planejamento reencarnatório alheio, mas isto é um equívoco. No Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo V em Dever-se-á por termo às provas do próximo encontramos: Sabeis se a Providência não vos escolheu, não como instrumento de suplício para agravar os sofrimentos do culpado, mas como o bálsamo da consolação para fazer cicatrizar as chagas que a sua justiça abrira?”.
02-    Na questão 402 do Livro dos Espíritos encontramos: “Graças ao sono, os espíritos encarnados estão sempre em relação com o mundo dos espíritos”. 
03-    Na questão 495 do Livro dos Espíritos encontramos: “Nem nos cárceres, nem nos hospitais, nem nos lugares de devassidão, nem na solidão, estais separados desses amigos a quem não podeis ver, mas cujo brando influxo vossa alma sente, ao mesmo tempo que lhes ouve os ponderados conselhos”.
04-    Na questão 957 do Livro dos Espíritos encontramos: “Muito diversas são as conseqüências do suicídio. Não há penas determinadas e, em todos os casos, correspondem sempre às causas que o produziram. Há, porém, uma conseqüência a que o suicida não pode escapar; é o desapontamento. Mas, a sorte não é a mesma para todos; depende das circunstâncias. Alguns expiam a falta imediatamente, outros em nova existência, que será pior do que aquela cujo curso interromperam.”

FAUSTO FABIANO DA SILVA

BIBLIOGRAFIA

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 67. ed. São Paulo: Ed.  Lake, 2007.
KARDEC, Allan. Evangelho Segundo o Espiritismo. 85. ed. Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1982.





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