A
não sacralidade do conhecimento espírita
É de conhecimento daqueles
que estudam o Espiritismo, a diferença entre a resposta 86 da primeira edição
do Livro dos Espíritos e a resposta da questão 344 das edições posteriores. Na
questão 86 encontramos: “Em que
momento a alma se une ao corpo? Ao nascimento” e depois
continua: “Antes do nascimento a criança tem uma alma? R: Não” (1) e na questão
344: “A união começa na concepção, mas só é completa por
ocasião do nascimento. Desde o instante da concepção, o Espírito designado para
habitar certo corpo a este se liga por um laço fluídico, que cada vez mais se
vai apertando até ao instante em que a criança vê a luz...”.
Vejamos que a primeira resposta, pode parecer não suficientemente clara.
Provavelmente, quis dizer que a criança, antes de nascer, não tinha uma alma
porque o espírito não está totalmente reencarnado, já que os laços com a
matéria, nesta fase, são bastante frágeis.
Se eu entender que a criança realmente tem uma alma somente quando o processo
reencarnatório se completou, então, antes de nascer, de certa forma, a criança
ainda não tem uma alma. É muito mais uma questão de ponto de vista do que um
erro. Porém, é inegável que a segunda resposta é melhor, porque deixa menos
margem para dúvidas.
Algumas pessoas podem estranhar que a melhor resposta tenha aparecido
apenas na segunda edição do Livro dos Espíritos, se perguntando, o porquê, dos
espíritos superiores não terem corrigido a questão desde o princípio. A dúvida
se justifica, quando sabemos que a primeira edição do Livro dos Espíritos não
foi um rascunho, mas um livro que contou com a revisão por parte da
espiritualidade. Sobre isto, nos prolegômenos deste primeiro livro (2),
encontramos o seguinte comentário dos espíritos: “Teremos
de revê-lo juntos a fim de que não encerre nada que não seja a expressão de
nosso pensamento...”.
Esta aparente contradição,
entre a assistência dos espíritos superiores e a resposta da questão 86 já
mencionada, obviamente, é usada pelos opositores do Espiritismo para tentar
criar um ambiente de descrédito, ou desconfiança em relação a Doutrina
Espírita. Por isto, a importância dos espíritas se posicionarem de maneira
inteligente sobre o tema.
Primeiramente, precisamos
enfrentar esta questão com tranquilidade, pois Kardec escreveu, no livro A
Gênese, no capítulo primeiro, Caráter da Revelação Espírita, item 55: “Caminhando de par com o progresso, o
Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem
estar em erro acerca de um ponto
qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a
aceitará. Ora, se o próprio
Codificador, falou com todas as letras, que poderia haver erros em um ponto
qualquer, não somos nós, então, que vamos se escandalizar por isto. Mas como pode existir erros, ou respostas que
necessitem de maiores esclarecimentos, se o Livro dos Espíritos passou pelo
crivo do Controle Universal do Ensino dos Espíritos mais a revisão dos
espíritos superiores?
A resposta mais plausível é que
o controle universal, como método de pesquisa, não era infalível, as diferenças
entre as respostas estudadas provam esta hipótese. Como o Espiritismo tem um
viés científico (3), nada mais natural, Kardec, ter pesquisado melhor a
problemática da união do espírito com o corpo na ocasião da reencarnação e
melhorado a resposta em edição posterior. Ao que parece, os espíritos
superiores, na revisão que fizeram, respeitaram muito o papel de Kardec na
produção do conhecimento espírita. Os espíritos superiores revisaram ou leram
outra vez o Livro dos Espíritos antes da publicação, porém, isto se deu,
obedecendo um critério principal, tanto na primeira como na segunda edição do
Livro dos Espíritos e demais Obras Básicas:
não revelar o que Kardec teria que descobrir através do seu próprio
trabalho. Na Doutrina Espirita, no geral, somos nós que devemos encontrar a
verdade pois ela não virá de maneira passiva, ao nosso encontro.
Então, houve sim, um distanciamento
da parte dos espíritos superiores em muitos assuntos, principalmente os de
cunho técnico ou científico (4), que o homem teria que aprender a sua própria
custa, por si mesmo, pela razão e pela pesquisa, por isto, a possibilidade de
erros nestas áreas sejam maiores. Sobre
esse distanciamento, esta frase de Kardec do livro A Gênese, capítulo, Caráter
da Revelação Espírita, item 50 e 60 respectivamente: “Os Espíritos não ensinam senão
Justamente o que é mister para guiar o homem no caminho da verdade, mas
abstêm-se de revelar o que ele homem pode descobrir por si mesmo, deixando-lhe o cuidado de discutir,
verificar e submeter tudo ao cadinho da razão, deixando mesmo, muitas vezes,
que adquira experiência à sua custa” e “Os
Espíritos não se manifestam para libertar do estudo e das pesquisas o homem,
nem para lhes transmitirem uma ciência pronta. Com relação ao que o homem pode
achar por si mesmo, eles o deixam entregue as suas próprias forças”. Também
no Livro dos Médiuns, capítulo XXVI, Sobre as invenções e descobertas, item 294
“que mérito teria ele, se não lhe fosse
preciso mais do que interrogar os espíritos para saber tudo? ”. E mais
adiante, ainda no Livro dos Médiuns, no capítulo XXVII, item 30, pergunta 10,
uma frase do Espírito de Verdade: “Desejais tudo obter sem trabalho. Sabei,
pois, que não há campo onde não cresçam as ervas más, cuja extirpação cabe ao
lavrador...”.
Fica claro nestas frases a
responsabilidade dos homens na produção do conhecimento. Não podemos considerar o Espiritismo uma exceção a esta postura
geral dos Espíritos. Portanto, a Doutrina Espírita, teria que vir ao mundo do
mesmo modo.
Nunca o assessoramento por
parte dos espíritos superiores foi no sentido de sacralizar a Doutrina
Espírita. Se isto ocorresse, nós teríamos as Obras Básicas inspiradas pelo
Espírito de Verdade da mesma forma que a Bíblia é considerada inspirada pelo
Espírito Santo. Se assim fosse, o Espiritismo se aproximaria por demais das
correntes tradicionais do pensamento religioso, dos dogmas e da fé cega. Porém, a Doutrina Espírita teria que ter um caráter diferente, para
poder dar uma resposta satisfatória aos novos paradigmas da Ciência, da
Filosofia e dos costumes, apta a responder aos anseios das novas gerações. Por
isto, as conclusões teriam que vir pela observação, pela análise dos fenômenos,
onde o erro é admissível em algum ou outro ponto (5), onde o conhecimento
espírita pudesse, se aprofundar, melhorar, e se corrigir se fosse preciso.
Seja qual for a revisão,
assessoramento ou aproximação que os espíritos superiores tenham tido com
Kardec foi sempre respeitando o fato que a elaboração do Espiritismo teria que
ser “
fruto do trabalho do homem” (6). Desta maneira, os espíritos não tinham a
obrigação de fazer o que era nosso trabalho. Se Kardec foi corrigido (7) em
algum momento, foi por livre vontade dos Espíritos. Nós devemos respeitar o
livre arbítrio dos espíritos superiores em corrigir ou não, em intervir ou não,
nos trabalhos e conclusões de Allan Kardec. Pensemos.
(1)
No
Francês: A quelle époque l'âme s'unit-elle au corps? A la naissance. — Avant sa naissance l'enfant a-t-il une
âme? Non.
(2)
Nos
Prolegômenos das edições posteriores encontramos: “mas antes de o divulgares
revê-lo-emos juntos, a fim de lhe verificarmos todas as minúcias.
(3)
Kardec
escreveu, em Caráter da Revelação Espírita, no livro, A Gênese, que o
Espiritismo é uma ciência de observação.
(4)
Exemplo
de questão de cunho técnico: quanto tempo demora para o espírito deixar o corpo
na morte ou em que momento o espírito se une ao corpo ao reencarnar. Exemplo de
questão de cunho científico onde houve um erro:
A natureza dos cometas. Kardec no livro A Gênese, capítulo IX, em
Cataclismos Futuros, item 12, escreveu que os cometas seriam fluídicos e que
não causariam problemas em um eventual choque com a Terra. Este equívoco, é um
exemplo de assunto de natureza científica, em que os espíritos superiores não
quiseram intervir.
(5)
Todos
os problemas que podemos encontrar na Doutrina Espírita são periféricos ou
secundários e não tem o potencial de atingir as bases do edifício doutrinário
que até hoje, permanecem bastante sólidos, pois não foram questionados de
maneira satisfatória por ninguém. Exemplos destes princípios: Deus, sobrevivência
da individualidade após a morte, reencarnação, comunicação mediúnica e os
princípios morais.
(6)
Ler
o Livro A Gênese de Kardec, capítulo um, Caráter da Revelação Espírita item 13.
(7)
Ler
o Livro Obras Póstumas, na segunda parte, A Minha Primeira Iniciação ao Espiritismo
em Meu Guia Espiritual.
FAUSTO FABIANO DA SILVA
faustofabianodasilva@yahoo.com.br
BIBLIOGRAFIA
KARDEC, Allan. Livro dos Espíritos. Disponível em: <http://www.ipeak.net/site/upload/midia/pdf/le_livre_des_esprits_1a.ed_1857_mode_texte.pdf
> Acesso em: 26 de junho de 2018.
KARDEC,
Allan. Livro dos Espíritos. Disponível em: <http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2014/05/Livro-dos-Espiritos.pdf>
Acesso em: 26 de junho de 2018.
KARDEC, Allan. Livro dos Médiuns. Disponível em:
<http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2014/05/Livro-dos-Mediuns_Guillon.pdf
>Acesso em: 26 de junho de 2018.
KARDEC, Allan. A Gênese. Disponível em:
<http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/07/A-genese_Guillon.pdf
> Acesso em 26 de junho de 2018.
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Disponível em: <
http://www.febnet.org.br/wp-content/uploads/2012/07/139.pdf > Acesso em 26
de junho de 2018.
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